A emergência da reflexão filosófica
aprofundada conduziu, desde há centenas de anos, o ser humano a um problema
sobre os mecanismos do pensamento. A dúvida metódica do racionalismo cartesiano
colocou o acto de pensar como pré-requisito da existência, mais tarde, a
reflexão fenomenológica definiu a essência do pensamento como uma relação entre
um sujeito pensante e um objecto pensado; em termos mentais o pensamento é
entendido como o fluxo das ideias. Na realidade, muito se tem procurado sobre
os mecanismos dessa actividade tão quotidiana que é o pensamento, as respostas
são poucas e escassas. Em termos das ciências físico-químicas, ainda não se
conseguiram desenvolver experiências capazes de comprovar as várias hipóteses
explicativas mas, por analogia e integração de conhecimentos na área da
neuroquímica, é possível desenvolver ideias e sabedoria em coerência completa
com os conhecimentos científicos actuais.
Compreender os fundamentos físico-químicos
do pensamento obriga a um prévio conhecimento destas ciências aplicadas ao
organismo humano; na realidade, este é constituído por diferentes substâncias
químicas que interagem entre si e se podem classificar de acordo com a respectiva
presença de grupos funcionais. Os aminoácidos são compostos da química orgânica
que contêm, pelo menos, um grupo funcional amina de carácter alcalino e um
grupo funcional ácido carboxílico.
As catecolaminas são monoaminas derivas do
aminoácido tirosina que têm em comum o grupo catecol também chamado
2-hidroxifenol. A dopamina é uma das principais catecolaminas
neurotransmissoras cujas funções variam em conformidade com a sua localização
no sistema nervoso central, com a sua escassa ou excessiva actividade e com os
respectivos receptores envolvidos. Alterações nas vias dopaminérgicas podem
causar sintomas e doenças muito variadas, entre outras: perturbações
psicóticas, doença de Parkinson, comportamentos adictivos e toxicodependências.
Com apenas um composto químico, a dopamina, surgem patologias que podem
envolver o movimento, o desejo ou vontade mas também o pensamento. Para
explicar a grande variabilidade de alterações causada por apenas um composto
orgânico, a dopamina, é necessário compreender a noção de estereoisomerismo ou
isomerismo espacial que se aplica a compostos químicos com a mesma fórmula
estrutural e diferente capacidade de desviar a luz polarizada mas também
aqueles com diferente distribuição ou conformação espacial. Existem cinco
receptores de dopamina (D1, D2, D3, D4 e D5) desigualmente distribuídos pelo
sistema nervoso e sabe-se que a estereoisomeria da dopamina apresenta várias
conformações espaciais pelo que algumas, mas não todas, conformações
dopaminérgicas específicas actuam em determinados receptores.
A composição química dos receptores da
dopamina faz-se à custa de várias centenas de aminoácidos que por ligações
peptídicas vão constituir proteínas ou polipeptídeos cuja estrutura tem sete
domínios hidrofóbicos transmembranares, um extremo terminal amina no meio
extracelular e um grupo terminal carboxílico no meio intracelular. Os receptores
dopaminérgicos estão acoplados à proteína G constituída por três subunidades,
alfa, beta e gama. Alterações na isomeria conformacional da dopamina causam
alterações nos respectivos receptores que, por sua vez, modificam a conformação
da proteína G a qual através de uma das suas subunidades ligada à guanosina
trifosfato permite nesta, alternância com guanosina difosfato, acabando por
envolver o monofosfato cíclico de adenosina como segundo mensageiro até a
concretização de efeitos fisiológicos sobre o metabolismo.
O excesso de dopamina nos receptores
dopaminérgicos D2 em certas zonas do sistema nervoso está implicado em perturbações
psicóticas que envolvem alterações do pensamento com delírios ou erros do juízo.
A interacção provável entre a molécula de dopamina
e a cadeia polipeptídica constituinte dos seus receptores D2 faz-se através dos
aminoácidos serina, triptofano e ácido aspártico; trata-se de uma interacção
molecular feita por pontes de hidrogénio mas também por outras forças
intermoleculares como as resultantes da interacção entre dipolos presentes em
compostos polares ou então dipolos induzidos, nas moléculas apolares; a conformação
estereoisomérica espacial da dopamina varia com a interacção destas forças
intermoleculares e, dependendo da sua conformação espacial assim ela interfere
com determinados e específicos receptores dopaminérgicos.
Algumas forças intermoleculares, como as que
ocorrem entre dipolos induzidos, também chamadas forças de dispersão, dependem
da massa molecular pelo que o número de isótopos dos elementos constituintes da
molécula orgânica vai interferir nesta força e, por conseguinte, na conformação
espacial da respectiva molécula.
Ainda não se conhece o papel e a função dos
isótopos nos mecanismos do pensamento, das ideias e da memória; na realidade
não se conhece o contributo dos isótopos para as alterações ou patologias dos
organismos vivos em geral e do ser humano em particular.
A compreensão da electroquímica fisiológica
dopaminérgica permite agora fazer a transposição analógica para os mecanismos
neuroelectroquímicos do pensamento, assim, quimicamente e em termos de
estereoisomerismo o pensamento é uma sucessão de mudanças da geometria
conformacional de moléculas que ocupam um determinado espaço no organismo
humano. As moléculas orgânicas estáveis, que após sofrerem mudanças na
geometria conformacional voltam sempre à mesma conformação espacial, funcionam
como unidade básica ou bit de informação na constituição das ideias e
armazenamento da memória.
Mudanças ocorridas na geometria espacial de
uma molécula vão, por intermédio das forças intermoleculares, interagir com as
moléculas vizinhas causando-lhes alterações, surge assim o pensamento por
associação de ideias.
O pensamento como resposta a estímulos
externos sobre receptores sensoriais surge após um fluxo iónico com despolarização
neuronal que se transmite por impulso nervoso numa corrente saltatória entre os
nódulos de Ranvier, dos axónios, até atingir as telodendrites e libertar para a
fenda sináptica neurotransmissores como a dopamina. Também, ao nível de alguns
receptores sensoriais, ocorrem fenómenos de estéreoisomerismo conformacional
como no caso do 11-cis-retinal (vitamina A) versus
11-trans-retinal, componente da rodopsina presente nos bastonetes que promove a
transdução de sinal luminoso em corrente eléctrica permitindo que as células da
retina se tornem responsáveis pela visão no escuro. Salienta-se que fenómenos
associados a receptores acoplados à proteína G ocorrem também em outros
receptores sensoriais como o olfacto e o gosto ou paladar.
Por analogia e perante os conhecimentos
científicos descritos, o estéreoisomerismo conformacional revela-se responsável
pela neuroelectroquímica cognitiva desde os estímulos externos produtores de
sensações, passando pela percepção, até atingir as estruturas cognitivas do
pensamento interpretativo e da memória como resultado de alterações nas conformações
estereoisoméricas moleculares.
Doutor Patrício Leite, 10
de Janeiro de 2018