As origens do
homem e do universo, as características finitas e infinitas, ordenadas e
desordenadas, a continuidade da matéria; tudo foi objecto de interrogação.
Desde os
filósofos pré-socráticos que o homem, voltando-se para as origens, para a
génese, procurou as causas de todo o mundo físico; o homem voltava-se para o
passado, para as origens, para as causas, para a causa primeira; o pensamento
filosófico, a ciência, a sociedade política; tudo e todos, procuravam a
respectiva legitimação através do passado, através da continuidade ordenada no
tempo; foi assim na filosofia, na ciência, na política monárquica cuja
estabilidade legítima do poder se fazia através da génese hereditária da
realeza. Com o desenvolvimento, ao longo do tempo, das ideias filosóficas, técnico-cientificas,
políticas e sociais; o ser humano passa a centrar-se, cada vez mais, nele
próprio e no ambiente que o rodeia, centra-se no aqui e agora, no presente;
abandona a centralidade focalizada na génese do passado para passar a
centrar-se nele próprio e na estrutura do presente; surge a revolução
industrial, a classe burguesa ascende ao poder, toma o poder, precisa de se
legitimar no poder, precisa de um poder legítimo; surgem as revoluções
liberais; a hierarquia do poder decisório da realeza monárquica centrada na
legitimidade do passado é substituída por uma estrutura de poder decisório
menos hierárquico, mais colegial e legitimado por uma estrutura centrada na
legitimidade democrática de uma sociedade presente, individualista, decisoriamente
colegial; surge o tripartidarismo do poder, surge a supraestrutura capitalista
detentora dos meios de produção e de comunicação, capaz de condicionar a
opinião pública, os eleitores e a estabilidade da legitimidade democrática.
Vivemos o estruturalismo político do tempo presente, vivemos o período áureo da
democracia representativa cadente; vivemos a contínua evolução técnica e
científica, a evolução contínua do desenvolvimento criativo das ideias; as
revoluções são cada vez mais rápidas; os avanços científicos e tecnológicos da
revolução industrial, com as consequentes transformações da vida humana e
social, das revoluções liberais, são agora substituídos por uma revolução
digital centrada no futuro; a estrutura colegial de uma democracia
representativa poderosa, centrada no presente, está agora continuadamente a ser
substituída pelo poder funcional de uma democracia directa descentralizada e
orientada para o futuro; as transformações continuam e são cada vez mais
céleres, a revolução digital prossegue com a revolução quântica; o mundo da
mudança, muda, muda cada vez mais rapidamente; a estrutura decisória colegial
já não permite acompanhar as contingências da mudança, torna-se necessária uma
descentralização funcional e personalizada do poder decisório orientado, pela
democracia directa, para o futuro da humanidade. A evolução da tele-cirurgia
robótica com substituição de membros e órgãos do corpo humano descaracterizam a
sua morfologia; a evolução da genética médica e nanofarmacologia alteram as
funções orgânicas e prolongam a vida; o ser humano é cada vez mais poderoso; o
triunfo sobre a natureza e a vida eterna apróximam-se rapidamente; os avanços
da substituição de órgãos e partes do corpo humano, da clonagem e da
inteligência artificial com intrínseca conexão entre homem e máquina são, cada
vez mais, indissociáveis; a criatividade da irracionalidade subconsciente,
agora também gerada pelos sistemas informáticos, é uma realidade cada vez mais
abrangente. Pergunta-se: o que é o ser humano? Quando é que o ser humano, em
ligação com os avanços científicos e tecnológicos, perde a sua condição de
humanidade? O homem interroga-se e pensa que essa simples interrogação é a sua
condição de humanidade, porém, a indissociável interconexão homem-máquina
desenvolve todas essas consequências cognitivas num plano bem mais completo. A conditio sine qua non da
humanidade humana é, e será sempre, a interrogação; mas não uma simples
interrogação, uma simples pergunta, uma pergunta ou interrogação qualquer; a
condição humana fundamenta-se na pergunta: porquê? Não um simples “porquê?”;
não um “porquê?” qualquer, mas sim: Porquê a interrogação? Porquê a pergunta?
PORQUÊ?
Doutor Patrício Leite, 20 de Outubro de 2019