Fundamentação estrutural da psicologia social

Conceptualizar a ideia filosófica da diferença implica, em última instância reducionista, a existência de dois elementos, duas entidades; paradoxalmente dispensa-se o pleonasmo repetitivo da distinção pois, a simples abstracção do número dois, ainda que se afirmassem iguais, é já uma diferença, porquanto, se efectivamente fossem identitários não seriam dois mas apenas um; é esta dualidade dipolar cognitiva identitária que, por analogia com a dipolaridade magnética de um íman, fundamenta o paradoxo conceptual do reducionismo dualista numa dipolaridade essencial: o sim e o não, o positivo e o negativo, o maior e o menor, a atracção e a repulsão, o interior e o exterior, o input - output, etc. A diversidade unitária desta dipolaridade dualista constitui a relação de conflito. Pela matemática combinatória, com apenas dois elementos abstractos (0,1), qualquer que seja a sua representação simbólica o resultado dos arranjos com repetição, numa ordem de grau dois, será sempre de 4 arranjos: (1,1); (0,0); (1,0); (0,1) ou seja, ainda que fosse repetido com outra simbologia, como positivo e negativo, pois, formar-se-iam quatro agrupamentos ordenados, dispostos dois-a-dois: positivo-positivo, negativo-negativo, positivo-negativo, negativo-positivo. Pelo conhecimento das relações de conflito sabe-se que estas permitem classificar os conflitos em atracção-atracção (quando ambos os pólos são positivos); repulsão-repulsão (quando ambos os pólos são negativos), atracção-repulsão (quando um dos pólos é positivo e o outro negativo); por outro lado, entre outras classificações, a abrangência topográfica destas relações delimita os conflitos em intra psíquicos, interpessoais, intergrupais e internacionais, porém, quando a abordagem se focaliza na teoria dos jogos e natureza dos resultados, estes polarizam-se em soma nula e soma não nula; já pela abordagem focada nas interacções humanas, pois, surgem as guerras, lutas, jogos, debates, negociações etc. A psicologia dos conflitos intra psíquicos teve um desenvolvimento acentuado com o estudo do dinamismo mental pelas escolas psicanalíticas que consagravam a ambivalência crónica da neurose, mas também outras das suas manifestações, como resultado de conflitos intra psíquicos inconscientes na luta pela satisfação de necessidades sexuais reprimidas. A teoria das necessidades, da motivação e da energética comportamental direccionada para uma satisfação de carências fisiológicas, mas também mentais e sociais, encontrou nos obstáculos da frustração e conflito a origem de comportamentos adaptativos perante os impulsos das necessidades e a incapacidade de as satisfazer; virtualmente todos os comportamentos humanos, com maior ou menor simbolismo interpretativo, resultam de necessidades, frustrações e conflitos. Perante a máxima abstracção matemática da análise combinatória e a aplicação da lógica indutiva conclui-se a possibilidade de efectuar 4 arranjos de 2 por 2 com repetição em todas as situações de dualidade dicotómica; as tabelas de duas entradas permitem uma interpretação mais pictórica destas situações; quando 2 elementos diferentes fazem agrupamentos de 3 em arranjos com repetição, pois, resultam um total de 8 agrupamentos constituídos por 3 elementos cada: (1,1,1); (0,0,0); (1,0,0); (0,0,1); (0,1,0); (1,0,1); (0,1,1); (1,1,0). A simples transposição adequada de simbologia analógica, facilita a conclusão prática e aplicada destes arranjos com repetição, tanto nas situações em que os agrupamentos formados são constituídos por 2 elementos como nas restantes. A matemática, em particular a análise combinatória, é uma ferramenta muito importante em ciências sociais e humanas: não apenas para a estruturação do pensamento e do raciocínio lógicos, não apenas para os estudos e análise estatística, mas também para aplicação directa a situações concretas, neste caso a estruturação fundamental da psicologia social. Sendo certo que a aplicação matemática dos arranjos com repetição de 2 por 2 fundamenta, não apenas uma classificação estrutural do dinamismo conflitual (atracção-atracção; atracção-repulsão; repulsão-atracção; repulsão-repulsão) mas também de todas as situações psicológicas do reducionismo dualista; torna-se possível a sua aplicação analógica a outras realidades mentais, desde os conflitos intrapsíquicos, meramente cognitivos, até aos fenómenos comportamentais objectivos, observáveis e mensuráveis, de acordo com a teoria do comportamento que usa dualidades dipolares como estímulo e resposta, punição e recompensa, estímulo neutro e condicionado, reforço positivo e negativo, entre tantas outras. A realidade mental do conflito intrapsíquico pode sucessivamente alastrar para a interacção entre o interior e o exterior com posições generalizadas: interior positivo – exterior positivo, interior positivo – exterior negativo, interior negativo – exterior positivo, interior negativo – exterior negativo; foi pela aplicação concreta destas posições generalizadas que a análise transaccional definiu as atitudes básicas de vida em relação com os outros seres humanos: eu estou bem – tu estás bem, eu estou bem – tu não estás bem, tu estás bem – eu não estou bem, eu não estou bem – tu não estás bem. Pela psicologia analítica e a tipologia dualista dipolar (introversão, extroversão) aplicada a duas pessoas distintas, torna-se possível utilizar a matemática combinatória e os respectivos arranjos com repetição a caracterizar uma classificação geral de 4 categorias de interacções comunicacionais entre seres humanos e melhor ilustradas por intermédio duma tabela de duas entradas; esta metodologia de classificação tipológica pode ser alargada e extrapolada para as interacções humanas cujas relações de cooperação e competição entre pessoas ou grupos diferentes caracterizam muitas relações sociais. Nas interacções humanas, organizadas ou não, em grupos sociais, o modo mais prevalente para a resolução de necessidades e interesses diferentes é a negociação; toda a interacção humana envolve alguma negociação tácita ou explícita; o posicionamento negocial estratégico e orientado em função dos resultados pode, também nas situações negociais, obedecer a duas tipologias (ganhar, perder) cujos arranjos com repetição permitem definir e delimitar 4 grupos de categorias: ganhar - ganhar, ganhar - perder, perder – ganhar, perder – perder. O alargamento sucessivo da abordagem, desde a máxima intimade pessoal até a psicologia social e os grupos humanos, pode ser conseguido apenas com uma tipologia dualista porém, a dinâmica dos grupos sociais, com fenómenos de coesão, liderança, regras de conduta, concorrência e alianças na competição pelo poder etc., precisa pelo menos de três elementos dualistas para concretizar a sua viabilidade; novamente, a matemática combinatória permite calcular o número de agrupamentos constituídos por 3 elementos resultantes de 2 que, com repetição, se arranjam formando grupos de 3 num total de 8 arranjos ou agrupamentos. A filosofia do reducionismo dualista, enquanto fundamento diferencial dipolar, permite explicar grande número de interacções humanas, mas não todas; efectivamente, entre dois elementos diferentes que se relacionam existe necessariamente um terceiro que faz a ligação; este tipo de raciocínio avança numa tricotomia paradoxal, por repetição, até ao infinito. No domínio do conhecimento e na generalidade das ciências mais concretas, frequentemente, as estruturas dipolares diferenciais elementares, dessas ciências, são necessariamente constituídas por 3 elementos dipolares identitariamente diferentes. Com a filosofia da linguagem e a psicolinguística dos pronomes, admitem-se, em ciências humanas, os três elementos estruturais fundamentais: eu, tu, ele; em psicanálise: ego, superego, id; em análise transaccional: adulto, pai, criança; em dialéctica filosófica: tese, antítese, síntese; em análise de mercado: produção, consumo, distribuição; em democracia representativa: esquerda, centro, direita; em relações internacionais: paz, crise, guerra; enfim, multiplicam-se, ad aeternum, os exemplos, sempre com a certeza que, para a compreensão e explicação dos dinamismos próprios das ciências sociais e humanas são apenas, necessários e suficientes, 3 e só 3 elementos dipolares identitariamente diferentes. Compreender todas as possibilidades de interacções entre estes três elementos dipolares é compreender a dinâmica das interacções em sistemas que se dizem: fechados se conseguem explicar todo o seu dinamismo meramente através do seu interior, abertos são os que necessitam de recorrer ao exterior para conseguir a explicação completa dos seus dinamismos; o paradoxo da fronteira, envolvendo interior versus exterior, explica a dipolaridade infinita da conflitualidade ad aeternum. A estrutura da mente, em psicanálise, divide-se em três elementos indissociáveis: ego, superego e id; cada um destes três elementos, ou instância da mente tem, por sua vez, polaridade própria que o constitui como um dipólo: o ego, sempre ambivalente na sua interacção cognitiva, decisória e volitiva, com o mundo real, manifesta forças e pressões conflituais provenientes do seu interior em confrontação com o superego e o exterior; o superego, instituído pela moralidade cultural com totens e tabus para lidar simbolicamente com o eros e tanatos comunitário; o id, biologicamente herdado desde a proveniência genética da humanidade, contém o eros e o tanatos como princípios conflituais constituintes do ser humano; a segregação dualista dipolar poderia continuar ad infinitum porém, agora, importa apenas referir os arranjos combinatórios, em número de 8, que se estabelecem entre as três instâncias da mente nos seus componentes: biológico ou id, psicológico ou ego e social ou superego. A abordagem psicanalítica, focalizando-se no interior da vida mental originou as suas três componentes estruturais; mais tarde, o seu estudo, permitiu e modelou a eclosão da análise transaccional que, por analogia com a sua progenitora, estruturou a pessoa em adulto, pai e criança, como centro fundamental das relações interpessoais. As carícias entre seres humanos, como unidade funcional de transacção afectiva, permitem delimitar níveis de intimidade; nas relações humanas, os jogos psicológicos e o roteiro de vida impedem a progressão da intimidade, pré-determinam o modo de viver e estruturam o tempo; no teatro da vida o argumento ou guião está delimitado pelo roteiro mas existe, sempre, um triângulo dramático cujos papéis de perseguidor, vítima e salvador são permanentes e constantes, as personagens escolhem o jogo e o papel a desempenhar. A transposição adequada da simbologia analógica proveniente da matemática combinatória permite muito facilmente, estabelecer no triângulo dramático, um total formado por 8 arranjos de interacções 2 a 2 entre os três papéis: perseguidor, vítima e salvador. Quando duas personagens lutam pelo mesmo papel, surge um conflito de atracção – atracção; quando duas personagens recusam o mesmo papel, surge um conflito de repulsão – repulsão; quando uma personagem pretende um papel que a outra rejeita surge um conflito de atracção – repulsão e o jogo prossegue em harmonia funcional; por se tratar de um triângulo dramático com três papéis, envolvendo um mínimo de três elementos, torna-se possível um desenvolvimento próprio da dinâmica de grupos e a fundamentação estrutural da psicologia social.                                             Doutor Patrício Leite, 11 de Agosto de 2020