Código do Direito da Saúde

Apesar da proliferação legislativa inflacionária, a que se tem assistido, desde há vários anos, no domínio do direito da saúde; a estabilidade, no tempo, de muitas leis, decretos-lei, portarias, despachos, regras e regulamentos normativos, constitui um facto observável na realidade do direito objectivo. Cada estado de direito, cada comunidade politicamente organizada, tem a sua própria cultura jurídica, a sua própria tradição normativa expressa na lei porém, existe uma significativa diferença entre governar, no domínio da saúde, através do direito consuetudinário, ou da legislação avulsa, em contraposição com a codificação normativa e sistematizada numa legislação estabilizada por um código, ou seja: o código do direito da saúde. A história dos códigos legislativos, e sistematizados, nos ordenamentos jurídicos dos estados republicanos, de cariz liberal, mais ou menos acentuado, remonta à queda do feudalismo com ascensão da burguesia ao poder, mais especificamente ao período napoleónico com a instituição do código civil que revolucionou o tecnicismo legislativo próprio da era moderna. Há imensas compilações legislativas porém, um código não é uma simples compilação, um código é um diploma legal que sistematiza as normas jurídicas de uma determinada área, ou ramo do direito, do ordenamento jurídico. Quando os valores sociais e relações jurídicas significativas, relevantes, para a tutela pelo estado de direito, exibem uma variabilidade muito acentuada, pois justifica-se uma regulamentação legislativa avulsa, no sentido de acompanhar a respectiva mutabilidade da ordem jurídico-social, porém, no caso da saúde, tanto o valor a proteger, como as inerentes relações jurídicas têm, ao longo do tempo, manifestado uma significativa estabilidade, assim, é decididamente defensável a codificação normativa, com força de lei, no domínio da saúde. Vários actores e profissionais, de algum modo, envolvidos na prestação dos cuidados de saúde, têm a sua actividade regulamentada pelas ordens profissionais, com os respectivos códigos deontológicos e estatutos disciplinares, os restantes agentes, prestadores e utentes, também obedecem a uma regulamentação jurídica própria e pertinente, assim, a codificação sistematizada das leis e normas jurídicas iria satisfazer e facilitar o trabalho a todas as entidades envolvidas, prestadores, utentes e inclusivamente aos juristas e profissionais do foro quando, qualquer querela conflitual tornasse necessário o recurso aos tribunais.
Paradoxalmente, o legislador não simplifica a regulamentação da vida em comunidade, parece que, apenas para mostrar actividade, produz leis em quantidade inflacionada,  exageradamente excessiva; por exemplo, não se compreende tantos códigos de processo: cível, penal, administrativo, trabalho etc. quando os tribunais funcionam todos de modo muito semelhante, um só código seria bastante, suficiente e adequado; também no domínio da fiscalidade há excesso de códigos: IRS, IRC, IVA etc. quando tudo poderia ser simplificado, mas, pior ainda, a proliferação legislativa avulsa no ramo da saúde, torna tudo ainda mais complicado; depois, o ordenamento jurídico português que contempla mais do que duas dezenas de códigos; submete alguns destes a alterações, "de aperfeiçoamento", tão frequentes, que mais parecem leis avulsas; ora, no ramo da saúde, há leis avulsas, como por exemplo, entre várias outras normas jurídicas, a lei de bases da saúde, que raramente são mexidas; é neste sentido que se torna, de todo, defensável a sistematização da codificação jurídica na produção do código do direito da saúde.
Doutor Patrício Leite, 15 de Outubro de 2018