Ensaio filosófico matemático sobre a ordem

Os ensaios descritivos, contemporâneos, da história universal, conferem grande importância ao desenvolvimento técnico, como algo revolucionário: é a história da descoberta do fogo, da invenção da roda, da revolução industrial, da revolução digital, … enfim, é o progresso tecnológico no seu mais elevado esplendor; esquecem-se os pensamentos, as ideias, os juízos e raciocínios, as estruturas cognitivas.

A curiosidade sobre o desenvolvimento filogenético do pensamento humano é grande: Como terá surgido a primeira ideia na história da humanidade? Como e quando o homem se auto reconheceu como sendo diferente do meio que, num ambiente primitivo, o envolvia? Como e quando terá surgido a consciência do grupo humano? E a consciência do ser individual? E a consciência de ser consciente? E a consciência do ser e da sua finitude? E a consciência da curiosidade? Da interrogação? Da pergunta que se auto interroga? Enfim, … estas são algumas das perguntas que dominam a filosofia e história do pensamento actual e do futuro que imediatamente se segue, mas a interrogação, desde a sua origem evolutiva, caminha conjuntamente com a humanidade. A ordem, enquanto elemento de previsibilidade e segurança, tem sido esporadicamente objecto do pensamento filosófico. É certo que todos os elementos das teorias da ordem de causalidade determinística, por abandono da perspectiva mecanicista, acarinham a aleatoriedade probabilística como fundamento da ciência actual; mas é também certo que o desenvolvimento científico e tecnológico procura maximizar a previsibilidade de um futuro incerto. Perante o devir de Heraclito, a mudança que muda, a mutabilidade do ser e de todas as entidades, … o homem procurou o absolutismo da matemática, as verdades imutáveis da ordem matemática; porém, os respectivos paradoxos relativistas conduziram a uma crise dos seus axiomas e aos fundamentos lógicos desta disciplina. Por outro lado, o neo-dualismo lógico, quando afirma o primado reducionista de uma dualidade constituída por um único valor e um único processo lógicos, está automaticamente a rejeitar o princípio do terceiro excluído e os valores verdadeiro e falso da lógica bivalente clássica, efectivamente: a negação de uma proposição não afirma a sua verdade nem a sua falsidade; de facto, em neo-dualismo lógico, a negação de uma proposição é apenas, tão-somente e nada mais do que a negação de uma proposição. O reducionismo conceptual a uma dualidade fundamental, implica no estabelecimento de um referencial relativista que, por necessidade científica, assume características absolutas: foi assim em física, com a velocidade da luz no vazio; foi assim em matemática com os números naturais como referencial absoluto das matemáticas discretas e, posteriormente, de todo o pensamento matemático. E a ordem? Onde se posiciona a ordem? Qual é a importância da ordem em todo este ensaio descritivo? A imanência da ordem transcende as estruturas cognitivas do ser humano; a dualidade antitética conceptual entre o primado da ordem e o primado do entendimento tem, ao longo da história das ideias e do pensamento humano, revertido para uma matemática cujos números naturais fundamentam um referencial absoluto de estabilidade; os números naturais seriam o reflexo de uma ordem natural, qualquer que fosse a sua origem, estável e absoluta. É agora que surge a ruptura, o ponto de corte com o pensamento anterior, o abandono da fundamentação de uma ordem natural patente e estribada nos números naturais; efectivamente, os números naturais são apenas uma sequência infinita dos termos de uma estrutura lógica, cognitiva, que por analogia comparativa repete o acrescento sucessivo de mais uma unidade a cada novo termo dessa sucessiva sequência; no entanto, na mutabilidade, na mudança permutacional ordenada, surgem infinitas sequências dos infinitos termos constituintes dos números naturais. A permutação factorial de infinitos termos produz infinitas sequências infinitas. Em cada uma destas sequências infinitas é patente a imanência de uma ordem diferencial; por conseguinte, existem infinitas ordens diferenciais, todas diferentes e a sequência dos números naturais é apenas uma dessas ordens. Para o ser humano comum, a antítese típica do raciocínio dialéctico tende a dissociar cada sequência da respectiva ordem que a constitui, apelidando-a de sequência ordenada; isto é, … como se a ordinalidade da ordem tivesse existência separada da cardinalidade sequencial; em realidade, nesta perspectiva estritamente naturalista, cada sequência é uma ordem e cada ordem uma sequência, ambas presentes numa dualidade, paradoxalmente indissociável, entre a imanência e a transcendência. A ordem natural é a sequência dos números naturais na qual, por necessidade humana, se tem baseado toda a história da matemática até ao momento contemporâneo. Efectivamente, admitem-se as diferentes relações de ordem concebidas no âmbito das estruturas algébricas; parece que a aparente criação de novas relações ordenadas, através da criatividade humana, servindo-se dos padrões associados às estruturas algébricas, abandona a ordem natural; no entanto esta ordem mantém-se como referencial das estruturas algébricas; de facto, a ordem destas estruturas é sempre uma ordem sequencial posicional; mais, as várias propriedades da matemática algébrica que delimitam a abrangência destas estruturas algébricas, essas propriedades matemáticas, assumem uma ordem não apenas sequencial posicional mas também hierárquica, por conseguinte, o seu grau de liberdade é ainda menor que o grau de liberdade inerente à ordem natural. Vejamos: o grau de liberdade corrobora a previsibilidade associada a qualquer evento ou fenómeno; por conseguinte, a um grau de liberdade infinitamente pequeno, infinitamente reduzido, ou seja, … mínimo, corresponde um determinismo máximo, uma previsibilidade máxima, – assim manifesta a história da previsibilidade cientifica associada ao mecanicismo da física clássica – por outro lado, a um grau de liberdade infinitamente grande, infinitamente aumentado, ou seja, … máximo, corresponde um determinismo mínimo, uma previsibilidade mínima, – assim revela a previsibilidade cientifica associada à matemática estatística da física quântica e do respectivo principio de incerteza. Por mais que se acredite na cultura da criatividade humana e respectiva inovação técnico-científica, um facto inalienável é que os fundamentos da ordem actualmente pensada e concebida pelo ser humano são sempre posicionais sequenciais: obviamente, a ordem posicional não tem de sofrer as restrições ao grau de liberdade impostas pelo espaço e tempo; as sequências posicionais podem abandonar o condicionamento espaço – tempo para assumir uma concepção cognitiva meramente abstracta, meramente no domínio do pensamento e abstracção humana; contudo, mantém-se a posição sequencial típica da ordem natural; no entanto, sendo infinita a quantidade de termos constituintes desta sequência natural, pois, também, a permutação desses termos gera infinitas sequências com a respectiva ordem diferencial imanente; por conseguinte, não existe apenas uma ordem do universo, do ser e de todas as entidades concebidas mas sim infinitas ordens diferenciais, todas diferentes, todas distintas. Efectivamente, a permutação factorial de uma quantidade infinita de termos origina infinitas sequências e a permutação factorial de uma quantidade finita de termos origina finitas sequências.

Neste ensaio, exclui-se a viciação, naturalmente, sempre presente no raciocínio provocada pelo hábito do pensamento baseado na instituição dos números naturais como referencial absoluto, porém, para efeitos meramente elucidativos, vamos agora considerar, por analogia comparativa, um exemplo pedagógico cuja abordagem se revela muito fácil: seja a quantidade finita de quatro termos; ora, a permutação factorial destes quatro termos origina vinte e quatro sequências diferentemente ordenadas; cada uma destas 24 sequências é constituída pelos quatro termos com uma ordem posicional diferente; são, portanto, 24 sequências diferentes e 24 ordens diferentes; apenas uma destas sequências exprime a ordem natural mas, cada uma das restantes 23 sequências, tem a imanência da sua própria ordem diferencial. Efectivamente: 4! = 4x3x2x1 = 24. Com a permutação factorial de apenas 4 termos resultam 24 sequências e respectivas 24 ordens imanentes; agora imaginem-se infinitos termos, pois, resultariam infinitas sequências e infinitas ordens diferenciais e, apenas uma, uma e só uma, seria a ordem natural, a ordem dos números naturais. Obviamente se poderia pensar que este exemplo está viciado já que é a base da ordem numérica natural que permite a operação de permutação porém, acentua-se que na imensa imensidão de todos os termos, de tudo quanto existe, de todos os seres e entes, de todas as entidades existenciais; pois, é o movimento, a mudança, o devir transformacional; é a matemática da permutação factorial, da mutação permutacional do devir, que permite obter a imensidão de todas as sequências, cada uma com a sua respectiva ordem diferencial e, … imagine-se! … o ser humano apenas consegue apreender a ordem de uma destas sequências, ou seja, a ordem natural dos números naturais; ordem esta, fundamentada na renovação. A renovação permite, simultaneamente, um movimento ou alteração e uma repetição; por conseguinte, uma continuidade na inovação ou uma inovação na continuidade; esta continuidade e mudança simultâneas permitem as sequências ordenadas da ordem natural enquanto fundamento dos números naturais e também as contagens de sequências resultantes das respectivas permutações. A ordem natural permite contar o número de sequências mas também o seu tamanho; permite ainda derivar segundas ordens como, por exemplo, as sequências ordenadas pela respectiva ordem crescente ou, então, ordenar de modo sucessivamente crescente as permutações dos números naturais, assim; 1!; 2!; 3!; 4!; 5!; … e assim sucessivamente; enfim, são imensas as segundas ordens derivadas da sequência natural. A ordem natural, sequencial e permutacional, é sempre posicional porém, admite-se a existência de ordens não posicionais nem sequenciais, simplesmente ordens ou, dependendo da definição conceptual mais ou menos restrita, quase-ordens que resultam de padrões de repetição. O empirismo observacional desenvolvido ao longo da história filogénica da humanidade, desde os inícios da antítese entre o caos e a ordem cósmica, até ao pensamento técnico-científico contemporâneo, tem sempre admitido a constância de uma ordem do universo, uma ordem do mundo físico, uma ordem que permanece externa ao ser que a observa; nada tem de ser assim, … efectivamente, desde o solipsismo cognoscível de uma consciência que se encerra em si própria até a dialéctica entre observador e observado, pois, o primado da ordem pode, ou não, pender para o interior do observador em detrimento de um mundo externo caótico ou, simplesmente, inexistente. Para colmatar o antagonismo dialéctico entre o interior versus exterior no estabelecimento do primado da ordem, surge uma solução de compromisso dualístico que considera a existência de um exterior caótico e constituído por partes sempre diferentes e, por outro lado, um observador interno cuja ordem, fundamentada na analogia metafórica comparativa, ordena o cosmos caótico externo. Sendo, por um lado, as mutações da mudança, do movimento, da acção, … o elemento externo constituinte da natureza, pois, a analogia conforma a inerência indissociável e indispensável do elemento interno, próprio da vida, para a consecução da ordem. É da analogia comparativa vital, aplicada aos padrões de repetição mutacionais da natureza externa, que resulta a ordem típica que humanamente reconhecemos. Na ordem, a analogia comparativa está sempre presente, não apenas nas situações em que se aplica a teoria da escolha ou decisão mas, também, em todos os movimentos da vida: desde a química combinatória dos movimentos moleculares priónicos, os vírus em replicação, as bactérias em movimento ou divisão celular, até aos fototropismos e geotropismos vegetais e movimentos complexos dos seres pluricelulares; de cada vez que surge um movimento, uma mudança, uma alteração que envolva a vida, pois, do lado do ser vivo envolvido nessa alteração, surge uma analogia comparativa que conforma uma ordem. O modo analógico da vida e a mudança permutacional da natureza são, pois, os fundamentos indissociáveis da ordem que os seres humanos conseguem apreender; admitem-se outras ordens extranaturais, ou até um modo diferente de os vegetais e animais, apreenderem a ordem mas, para os seres humanos, a ordem natural é sequencial posicional fundamentada na mudança - sempre nova, sempre repetida – na mudança e na analogia metafórica comparativa.

A função de Patrício vem, matematicamente, corroborar os conceitos, ideias e pensamentos, supracitados; efectivamente: n! = Σnk=0(nk)(-1)k(n+Z-k)n  comprova, em termos da ordem natural, uma relação entre a quase–ordem, traduzida pelas combinações simples e a ordem, traduzida pelos filamentos de Patrício ou segmentos de arranjos com repetição; salienta-se que a variação de Z apenas altera o inicio e o fim dos segmentos ou filamentos de arranjos de arranjos com repetição, nunca o seu tamanho, por conseguinte, resulta uma conclusão de que, nesta situação, para a máxima ordem diferencial, traduzida pelas permutações, o que interessa é o tamanho do filamento ordenado e não o seu locus de inicio ou de fim; naturalmente, o tamanho do filamento de arranjos com repetição comporta a totalidade da ordem presente nesse filamento. O triângulo de Pascal compreende uma ordem sequencial que vai sendo sucessivamente ordenada pela ordem dos filamentos de Patrício.

Doutor Patrício Leite, 11 de Outubro de 2021