Limites e fronteiras das ideias

A história das ideias e do pensamento racional parece indicar um desenvolvimento que, desde as fases iniciais da sua implantação na humanidade, enquanto coerência lógica estruturada, assentava fundamentalmente numa procura reducionista das causas; acreditava-se na simplicidade do pensamento analítico, da antecedência de uma causalidade unicista amplificante; como que a causa, precedendo o efeito, também o amplificava; esta crença, enraizada em todo a comunidade de pensadores, dominou o pensamento esclarecido, e mais tarde a ciência, até meados do século passado; com o desenvolvimento científico e tecnológico, a antítese do pensamento foi ganhando terreno: aceitou-se que a localização temporal da causa poderia ocorrer após o efeito, que qualquer sistema como um todo, poderia justificar a causalidade das partes individuais, que a dedução redutora poderia partir do geral para o particular, que a causalidade múltipla em sistemas complexos poderia comportar simultaneamente a antecedência e consequência, o priori e o posteriori, enfim, inverteram-se alguns aspectos da crença básica mas manteve-se a fé na coerência global do pensamento reducionista; é com este reducionismo racional que, agora, se avança até aos elementos absurdos dos paradoxos fundamentais que estruturam a racionalidade humana. Acredita-se que em sistemas de diferenciação limite e fronteiriça, apenas um dualismo constituinte, pode ultrapassar o paradoxo racional do reducionismo estrutural. Efectivamente, o problema dos limites, das fronteiras que confinam pelo menos duas individualidades distintas; revela uma abrangência filosófica profunda, uma reflexão problemática cuja essência, cuja conditio sine qua non, in extremis, traduz um dualismo conceptual fundamental; por analogia comparativa, pensando na realidade distinta de dois países, dois estados ou duas nações, pois, surge a fronteira que os separa e, paradoxalmente, relaciona ou liga; esta fronteira, simultaneamente ligação e separação paradoxais, constitui um elemento comum a ambos os países, ambas as partes. O método cognitivo da sucessiva redução diferencial, enquanto redução eidética, transforma a linha limite, infinitamente pequena, numa ideia, eidos ou essência pura como fronteira comum de duas entidades distintas; agora, por indução generalizante, racionalmente analógica, torna-se legitimo afirmar que todas as teorias do comum, da igualdade, da continuidade, da ligação entre entidades diferentes, capazes de fundamentar mentalmente um associacionismo eidético relacional, revelam um paradoxo antagónico que une e, simultaneamente, separa.
O fundamento antagónico, paradoxal, do limite infinitamente pequeno, resultante da redução eidética como metodologia aplicada a situações limite de fronteira provém da dualidade de duas individualidades distintas, porém, cada uma dessas individualidades é, pela redução eidética, um ente essencial, um eidos distinto.
Surge uma nova metodologia reducionista, uma metodologia que consiste na aplicação do método de redução eidética até encontrar a variabilidade essencial de cada uma das individualidades, porém, agora, em função da variação que ocorre na outra individualidade. Os conceitos, e as ideias, mantêm entre si, uma intrincada rede de relações; todos os conceitos, todas as ideias, possuem atributos conceptuais relacionais que sucessivamente retirados em porções, até ao infinitamente pequeno, provocam variações nos restantes conceitos e ideias com os quais se relacionam; a variação conceptual de uma ideia em função da variação de outra, até ao eidos ou essência, funciona como uma função matemática cujo limite e respectiva derivada se encontram por variação infinitesimal. Cognitivamente, encontrar o limite e derivada de uma função é como encontrar o eidos ou essência de uma ideia em relação com a variação infinitesimal de outra ideia; a analogia comparativa entre limites e derivadas de funções matemáticas com o eidos ou essência permite, pela redução eidética, o desenvolvimento de todo um cálculo diferencial, mas também integral, no domínio do associacionismo mental. Aceitando que a maior utilidade da fenomenologia, enquanto filosofia da consciência, ocorreu com a sua aplicação em saúde mental, sobretudo na compreensão da semiologia psicopatológica, torna-se evidente que essências conceptuais como delírio, enquanto erro do juízo, ou alucinação, enquanto percepção sem objecto, são conceitos relacionais; efectivamente, delírio resulta da relação entre erro e juízo, alucinação resulta da relação entre percepção e objecto; aplicando a metodologia matemática do cálculo diferencial infinitesimal, pode-se agora estudar a variação do erro em função do juízo e respectiva função inversa, da percepção em função da ausência de objecto dessa percepção e respectiva função inversa, por conseguinte, por generalização, de qualquer conceito que por reducionismo atinge no seu eidos a essência relacional.
Doutor Patrício Leite, 24 de Julho de 2020