A liberdade humana significa autonomia e autodeterminação, porém, este conceito é muito mais abrangente; efectivamente, com a noção de variáveis independentes, assume a oposição ao determinismo. A filosofia da liberdade expande o seu sentido; a condução do raciocínio até aos extremos conceptuais permite encontrar a liberdade como um paradoxo intrínseco, uma transcendência paradoxal para além das capacidades cognitivas humanas. Efectivamente, não existe liberdade, existe sim, sempre, grau de liberdade. Há sempre uma limitação, ainda que meramente no domínio das ideias, do pensamento e do raciocínio; apenas existe grau de liberdade, nunca liberdade pura e despida dos restantes conceitos e atributos. O conceito de liberdade, de per si, implica já um encerramento delimitativo de si para si própria, uma exclusão daquilo que o não é; esta exclusão constitui uma restrição á liberdade, por seu lado, esta restrição implica na existência de um certo nível de liberdade, um grau de liberdade que impede a pureza da liberdade isoladamente existencial. O grau de liberdade traduz-se sempre por um dualismo real entre a independência da liberdade e as restrições que se lhe opõem. Foi na estatística matemática e na física que esta noção teve a sua maior aplicabilidade; com efeito, o grau de liberdade é definido como a liberdade das variáveis independentes menos as restrições que se lhe opõem. A fórmula que traduz o grau de liberdade pode ser assim definida: GL = L – R (GL = Grau de Liberdade; L = variáveis independentes; R = Restrições). A diferença entre a independência e as respectivas restrições constitui o nível ou grau de liberdade capaz de explicar a fenomenologia do mundo existencial. É na diferença e pela diferença que o grau de liberdade se manifesta; efectivamente, a diferença significa rotura, descontinuidade, separação; aquilo que é diferente tem, necessariamente, de romper e quebrar a homogeneidade da continuidade.
Sendo certo que, em
matemática estatística, o grau de liberdade tem sido, sobretudo, aplicado em
testes de inferência; é também sabido que, pela definição frequêncista, a
frequência relativa de um acontecimento traduz a sua probabilidade; por outro
lado, a definição clássica de probabilidade (P) como um rácio ou razão entre os
casos favoráveis e os casos possíveis (P= número de casos favoráveis/número de
casos possíveis) aponta para uma relação entre o grau de liberdade e o controlo
da incerteza associada com as probabilidades. Em qualquer sistema considerado,
é no rácio ou razão relacional entre a parte e o todo que se encontra a
probabilidade de ocorrência; por conseguinte, considerando o sistema
constituído pelas variáveis independentes e respectivas restrições, pois, sendo
GL = L – R então, matematicamente, nesse sistema, a probabilidade de ocorrência
de um determinado grau de liberdade é o rácio ou razão definido por GL/L;
interpretando, sendo o GL apenas uma parte da liberdade total do sistema
considerado, pois, a probabilidade da sua ocorrência surge na relação com as
possibilidades totais dessa liberdade. Pelo método da analogia comparativa
resulta que quando o valor das probabilidades for zero então há a certeza
absoluta que um acontecimento não vai ocorrer; quando esse valor for um, ou
seja, cem por cento, então há a certeza absoluta da ocorrência do
acontecimento; analogicamente, quando o grau de liberdade for um, ou seja,
total, então surge o paradoxo transcendental da liberdade; quando esse valor
for zero então surge a impossibilidade da ocorrência de qualquer alteração, …
de qualquer mudança, de qualquer movimento.
A física da ciência
clássica considerava o mundo como uma máquina determinada, como um mecanismo
determinista cujas ocorrências ou surgiam ou não-surgiam, um tudo-ou-nada sem
quaisquer outras possibilidades; a física moderna considera um mundo
probabilístico com incerteza associada ao jogo de probabilidades, assim, surge
o princípio da incerteza como fundamental e estruturante de toda a física
quântica; o princípio da incerteza e as probabilidades associadas estão, à
partida, sempre incluídos num determinado grau de liberdade; na física moderna,
a incerteza como princípio, abandona o determinismo da física clássica e revela
maior grau de liberdade mas, ainda assim, sempre delimitada pelo primitivo grau
de liberdade com que se parte; por simples analogia comparativa, como já aqui
foi esclarecido, parece que se trata de uma probabilidade dentro de outra
probabilidade; é a probabilidade da ocorrência física dentro da probabilidade
do grau de liberdade; a física do futuro terá necessariamente de considerar o princípio
da incerteza de uma ocorrência dentro da incerteza inerente ao grau de
liberdade, sendo que esse próprio grau de liberdade é, também, de per si,
incerto numa manifestação ad infinitum, parafraseando a poética:
… a mudança muda, … muda a mudança, … muda a
mudança que muda, e também a sua mudança, …
Matematicamente, o
conceito de uma sucessão de infinitos que infinitamente vão repartindo as
partes em partes também infinitas; ou seja, esta sucessão de infinitas partes,
sucessivamente, até ao infinito, dentro de partes infinitas, constitui um
padrão de repetição, um fractal da matemática, no desenvolvimento do cálculo
como ponte ou ligação entre as matemáticas discretas associadas com a análise
combinatória, com as probabilidades e estatística e, por outro lado, a
matemática da continuidade associada com a ideia de infinito. O grau de
liberdade faz a ponte entre o finito e o infinito. Em matemática da
continuidade, a análise, com o estudo das funções, implica sempre num domínio e
contradomínio; acresce que o grau de liberdade, pela sua própria definição: GL
= L – R apresenta duas variáveis, ambas independentes, ou seja, o grau de
liberdade é representado por uma função com dois domínios, cada um destes
domínios tem variáveis independentes e completamente ausentes de qualquer
relação entre si; por conseguinte, todas estas variáveis são discretas,
descontinuas; porém o conjunto das variáveis independentes L e o conjunto das
variáveis independentes R relacionam-se pela operação subtracção na
constituição da função GL; obviamente, a existência de duas variáveis
independentes e apenas uma fórmula algébrica para as definir, delimitar e
condicionar, significa que para o grau de liberdade (GL) se aplica L = 2 e R =
1 pelo que GL = 1 ou seja, o próprio grau de liberdade tem, algebricamente, apenas
um valor como grau de liberdade; efectivamente, num sistema, quanto maior for o
número de variáveis independentes e menor o número de condições, ou fórmulas
algébricas, que as condicionem, pois, maior será o respectivo grau de
liberdade.
Filosoficamente,
para além da história das ideias, para além do unicismo ou unidade na
diversidade, para além do dualismo reducionista e do pluralismo diferencial,
para além da diferenciação entre um sujeito pensante e um objecto desse
pensamento, ainda que meramente solipsista; surge a separação descontínua do
mundo, seja este humanamente real ou imaginário, qualquer que seja, … as partes
estão separadas e não formam um todo… o todo não existe, o todo e as partes não
existem, o todo é apenas, e tão-somente, a designação atribuída a uma das
partes em separação descontínua das restantes partes e, também estas, separadas
entre si; numa totalidade inexistente, no paradoxo conceptual do mundo como uma
totalidade desconexa, separada, desagregada, fragmentada, … num mundo de partes
separadas, … a vida constitui uma dessas partes, uma parte que liga, que
relaciona, uma parte cuja ligação permite a relação entre as partes e o todo;
este todo é apenas a designação que a vida, consciente, atribui à ligação que
ela própria promove entre as partes separadas; a vida, enquanto parte separada,
enquanto parte ligante que liga, tem nessa ligação, nessa relação, a sua
expansão entre as outras partes separadas; o padrão ou regra fundamental de
todos os seres vivos consiste em: “tudo aquilo que relaciona ou cria ligação é
vida - tudo aquilo que separa ou quebra ligação é morte”. Assim, o ser vivo é,
simultaneamente, eros e tanatos, … vida e morte: enquanto ser promove rupturas,
separa, é tanatos, é morte - enquanto eros é vida, promove relações, promove
ligações. A criação e a quebra de ligações significam alteração, mudança,
movimento; obviamente, mudança significa liberdade mas também as inerentes restrições
que se lhe colocam; a liberdade é apenas um paradoxo conceptual, não existe,
nem sequer através da aleatoriedade e de todos os processos e mecanismos de
aleatorização conhecidos; ser aleatório não significa ser livre; do acaso e da
equiprobabilidade aleatória resultam os padrões de repetição que revelam restrições
à liberdade e respectivo determinismo; as restrições à liberdade apenas existem
em conjugação com a liberdade, nunca isoladamente; a liberdade subtraída das
respectivas restrições iguala o grau de liberdade que delimita e, de certo
modo, ordena todo o movimento, toda a alteração; é no âmbito do grau de
liberdade que se ordena e determina toda a alteração, toda a mudança, todo o
movimento. Se a equiprobabilidade do acaso aleatório não significa nem
justifica a liberdade, pois, também o caos revela uma certa ordem caótica e,
por conseguinte, necessariamente, uma liberdade subtraída de algumas
restrições, ou seja, o respectivo grau de liberdade. Se o conceito de extrema
liberdade se revela um paradoxo transcendental, pois, outro tanto, é revelado
pelo conceito de extremas restrições; efectivamente, a vida, enquanto parte
caracterizada por ligação ligante entre partes separadas fundamenta a filosofia
da ordem contida no grau de liberdade, porém, a complexidade organizada da vida,
no domínio cognitivo da consciência reflexiva não consegue apreender as
variáveis independentes tanto as correspondentes à liberdade como as que se
referem às restrições; a vida, no culminar da capacidade humana, com as suas
reflexões filosóficas e investigação científica, apenas consegue captar o grau
de liberdade, nunca das variáveis independentes que o delimitam; a impossibilidade
de apreender, captar e medir, as variáveis independentes, tanto do lado da
liberdade como as variáveis independentes do lado das restrições, torna viável
o princípio da incerteza da ciência física mas também a funcionalidade de todas
as suas primitivas e derivadas numa ponte entre a descontinuidade das
matemáticas discretas probabilísticas e a continuidade da análise funcional;
mas, entenda-se, esta ponte não configura uma função entre um conjunto, o
domínio da continuidade e outro, o conjunto ou domínio da descontinuidade,
efectivamente, ambos estão partidos, separados e desconexos, configurando
variáveis independentes.