Psicanalogia dinâmica

Introdução filosófica - psicanalítica

A complexidade abrangente da abordagem sistémica tem, tradicionalmente, no pensamento filosófico, a sua concepção antagónica traduzida pelas várias formas de reducionismo. Efectivamente, a simplicidade oferecida pela redução a uma, duas ou três, ideias simples e capazes de explicar a totalidade, torna-se muito apreciada e apetecível. Por coerência da racionalidade levada aos máximos extremos possíveis, o reducionismo dualista impõe-se pela extrema força da necessidade, porém, admitem-se diferentes concepções como listas de racionalidade parcial: a redução unitária, muito útil para situações hierárquicas com unidade de comando, não consegue explicar a coerência do pensante e do pensado, da forma e do conteúdo, do continente e do contingente, etc. o trialismo coloca a relação, como uma terceira parte, entre os extremos do dualismo, porém, esquece as duas partes, a dualidade das duas metades constituintes da relação em conformidade com a sua aproximação aos extremos; no entanto, por mera facilidade prática, torna-se útil, em algumas situações, admitir um mundo de fundamentos trialistas; assim tem sido ao longo da história do pensamento humano ocidental; por conseguinte, no seio da moralidade trialista de tradição judaica – cristã, a história do pensamento psicanalítico reduziu, e tem reduzido, a vida mental a três instâncias: ego, superego, id; também, a sua sucessora para as relações interpessoais: a análise transaccional, assume uma posição semelhante, na exacta medida em que estratifica a pessoa em pai, filho e adulto; finalmente, nas ciências da mente e da sociedade, todas as teorias, inclusivamente as teorias comportamentalistas, com o trinómio: estimulo, resposta, personalidade; todas; têm os seus fundamentos trialistas mais ou menos vincados. 

Introdução psicanalógica

Surge agora a psicanalogia! Efectivamente, a psicanalogia surge na sequência da redução de todas as ciências do homem aos seus denominadores comuns, congregados no trialismo do número três; seguidamente avança-se para a generalidade das ciências mentais e destas, especificamente, para aquelas que abordam o seu dinamismo funcional. 

Psicanalogia da estrutura funcional

Conceber a funcionalidade humana com base na sua estrutura tripartida: bio–psico–social; transporta imediatamente para as respectivas três esferas humanas do campo bio–psico–social com aplicação na sexualidade, na mente, na família, nos fundamentos elementares da dinâmica de grupos, nas relações interpessoais, na abordagem filosófica dialéctica com a tese, antítese, síntese ou mais socialmente, emergência, divergência, convergência, … etc. Neste contexto cultural abrangente do pensamento triplicado, a psicanalogia faz nascer todas as carências ou necessidades (humanas, animais ou dos restantes seres vivos) como uma primeira componente analógica: biológica sucessora de uma herança genética hereditária; por oposição antagónica antitética, a segunda componente analógica: a sociedade, mas também a envolvente física ambiental, compõem as barreiras e obstáculos que impedem a satisfação das necessidades ou carências do meio interno, necessidades estas, que apenas podem ser satisfeitas através do meio externo; finalmente, a terceira componente analógica: mental, do ego psicanalítico ou do adulto transaccional, configura generalizadamente, em todos os seres vivos, o mediador entre as carências ou necessidades primordiais e as barreiras ou obstáculos externos antagónicos frustrantes. 

Psicanalogia dinâmica

As três componentes, resultantes da metáfora analógica, fundamentam-se nas necessidades motivacionais, entidades mediadoras e obstáculos frustrantes e designam-se respectivamente por motivação, ser vivo e frustração. A tríade constituída pela motivaçãoser vivofrustração tem, por semelhança com a psicanálise e a análise transaccional, um dinamismo próprio; na realidade, os dinamismos psicanalíticos e transaccionais são apenas aspectos particulares, aspectos muito reduzidos desta tríade dinâmica bem maior, ou seja, a psicanálise lida apenas e unicamente com a necessidade motivacional sexual como força do id, o superego como barreira frustrante que previamente avançou para o interior do psiquismo e o ego como entidade mediadora dessa relação conflitual, também, a análise transaccional lida com o estado do ego criança como força motivacional resultante da necessidade social de amor e pertença, o estado pai como barreira ou obstáculo frustrante e o estado adulto como mediador do respectivo conflito; porém, os seres vivos, em geral, e os seres humanos, em particular, não têm apenas necessidades sexuais e sociais de amor e pertença. A totalidade das necessidades humanas e dos restantes seres vivos, é muito grande, muito ampla; também enorme é a totalidade de obstáculos ou barreiras capazes de frustrar a satisfação das muitas e variadas necessidades, finalmente, a enorme diversidade de seres vivos soma-se e conjuga-se com os outros dois elementos desta tríade para fundamentar a coerência dinâmica, generalizada e abrangente, deste trio teórico: MOTIVAÇÃO – SER VIVO – FRUSTRAÇÃO. 

Dinamismo psicanalógico

Todas as motivações compreendem uma sequência motivacional desde o estado de carência interna, passando pelas pulsões e comportamentos de procura, até a saciedade; por outro lado, todas as frustrações compreendem barreiras ou obstáculos que impedem ou antagonizam a satisfação das necessidades suscitadas pelas carências do meio interno; os seres vivos, quaisquer que sejam, submetem-se ao impulso energético da força das necessidades e adoptam comportamentos que procuram ultrapassar os obstáculos ou barreiras que lhes impedem a saciedade satisfatória. Pensar que todo o comportamento humano resulta de uma e só uma necessidade, como a necessidade sexual (psicanálise) ou a necessidade de pertença a um grupo (análise transaccional), constitui um reducionismo acentuado e incapaz de explicar a totalidade da realidade humana. Pensar que todo o comportamento humano resulta das contingências de um meio envolvente, mais ou menos, influenciado pelas respostas comportamentais desencadeados por estímulos (comportamentalismo), constitui um reducionismo acentuado e ineficaz. Compreende-se a inevitável inerência entre qualquer teoria e o reducionismo cognitivo; efectivamente, sem reducionismo não seria possível uma teoria explicativa da realidade, contudo, um reducionismo abrangente permite uma maior coerência teórica na explicação da complexidade real; por conseguinte, reduzir o comportamento humano ao dualismo: motivaçãofrustração secundado pelo trinómio: motivação, frustração mais ser vivo, que emite o respectivo comportamento, torna a teoria abrangente, fundada numa explicação coerente e capaz de integrar todas as restantes teorias que se dedicam ao estudo do comportamento humano. 

Linguagem e comportamento

É bem patente que o reportório comportamental do ser humano, como um todo, tem os seus limites finitos e bem definidos; por exemplo: o ser humano não consegue caminhar simultaneamente para a frente e para a retaguarda; também, não consegue deslocar-se à velocidade da luz, entretanto, os recordes absolutos da prática desportiva mais não são do que acrescentos progressivos aos limites do reportório comportamental humano; porém, é num contexto de reportório comportamental humano finito e limitado que proliferam as respectivas teorias explicativas; é graças à riqueza da linguagem que surgem todo o tipo de perífrases e circunlóquios, sinónimos e sinonímia, morfologia, semânticas e léxicos gramaticais; é nesta, e por esta riqueza linguística, que surgem diferentes teorias explicativas para um só comportamento humano. Por exemplo, em teoria psicanalítica, a noção de identificação com o agressor, como mecanismo de defesa do ego, comporta um agressor que se impõe como barreira ou obstáculo frustrante de uma determinada motivação (no âmbito psicanalítico seria de carácter sexual); também, em teoria comportamental a designada aprendizagem vicariante significa modelagem por imitação identitária do comportamento social de outro ser humano que, no fundo, funciona como o agressor identitário da teoria psicanalítica ou o estado pai na situação de análise transaccional. 

Generalização psicanalógica

As actuais teorias do comportamento humano avançam, normalmente, da explicação individual para as relações interpessoais, porém, todas e cada uma, têm sempre um carácter de separação fragmentada; por conseguinte, torna-se necessária uma ligação coerente entre todas as teorias do comportamento: essa conexão é efectuada pelo trio teórico MOTIVAÇÃO – SER VIVO – FRUSTRAÇÃO. Como exemplo elucidativo avança-se com a teoria da análise transaccional para explicar as bases das interacções interpessoais; efectivamente, a tríade criança – adulto – pai, mais não é do que uma estrutura analógica derivada da teoria psicanalítica individualista do id – ego – superego cuja energética motivacional libidinosa se traduz, em analise transaccional, pela carícia como elemento fundamental da transacção humana; agora, alargando o âmbito social, surge a grupanálise com a estrutura tripartida matriz – grupo – padrão em estreita analogia com as suas antecessoras analíticas cujo padrão (pai) comunicacional, é lançado no grupo através da matriz (mãe); também, a visão terapêutica sistémica de um grupo especial fundamental como “célula” da sociedade: a família, encara as relações emocionais como um dos elementos da tríade estrutural negocial inter e transgeracional; gerações estas que são admitidas como partes constituintes da família como um todo; sendo, aqui, a relação emocional negociada um acrescento que torna o todo maior do que as suas partes constituintes; da “célula” social familiar avança-se expansivamente para o dinamismo da sociologia de grupos, sempre impregnada do trio analógico constituinte MOTIVAÇÃO – SER VIVO – FRUSTRAÇÃO que permite a unanimidade teórica para interpretação psicanalógica na explicação e compreensão do comportamento humano.

Doutor Patrício Leite, 26 de Março de 2022