Tomar
uma decisão significa, sempre e no mínimo, um momento de conflito: um momento
em que as opções disponíveis em confrontação, de alguma forma, se antagonizam na
divergência da sua máxima eficácia e, por conseguinte, no momento da escolha,
manifestam antagonismo conflituante.
Algumas
classificações das relações de conflito expandem-se desde o conflito intrapsíquico,
nível mais interno do ser humano, até aos grandes conflitos mundiais; entretanto,
passam pelos níveis interpessoais, intergrupais, regionais, nacionais,
internacionais e dos grandes blocos transcontinentais.
Sabe-se
que as primeiras formas da psicoterapia contemporânea assentaram nos conflitos
intrapsíquicos como fundamento do sofrimento mental; efectivamente, na
sequência histórica das psicoterapias psicodinâmicas, a neurose era entendida
como situação crónica de conflitos intrapsíquicos com origem na infância,
conflitos estes que originavam ambivalência, indecisão e ansiedade. A teoria psicanalítica
entendia o id como instintos, impulsos, desejos e pulsões de natureza biológica,
orgânica e congénita; o superego seria constituído por valores
morais da sociedade que foram internalizados pelo aparelho mental; o id apenas
procurava a satisfação das pulsões, porém, essa satisfação poderia colocar em
risco a coesão social, por conseguinte, a internalização dos valores sociais
constituinte do superego entrava em conflito com o id; esse conflito gerava
ansiedade e sofrimento sentidos pelo ego que, para evitar o sofrimento, mediava
o conflito entre o id e o superego no sentido da sua resolução. A teoria psicanalítica
é muito simplista e reducionista na medida em que reduz a complexidade das
pulsões biológicas a uma única entidade abstracta que designa por id; outro
tanto faz com os valores morais da sociedade mas também com as diferentes
estruturas cognitivas que designa respectivamente por superego e ego; embora
reducionista, a teoria psicanalítica permite unificar e explicar racionalmente
a natureza do conflito intrapsíquico; porém, há teorias bem mais abrangentes. A
teoria da motivação entende a existência de múltiplas e diferentes necessidades
que se reúnem na conservação e reprodução da vida com a finalidade da sua permanência
como um todo unificado; o id é, na teoria da motivação, apenas uma das necessidades
humanas: a necessidade sexual para a reprodução da vida. A teoria da frustração
compreende múltiplos mecanismos e obstáculos capazes de impedir a satisfação
das diferentes necessidades; o superego é apenas um mecanismo capaz de frustrar
necessidades de natureza sexual; as respostas à frustração são múltiplas e
variadas e o conflito é apenas uma dessas respostas que impede a tomada de
decisão e a progressão do comportamento em direcção à satisfação das
respectivas necessidades. O prazer e o sofrimento são forças que movem o
organismo respectivamente no sentido da motivação ou da frustração: o
comportamento motivado é aquele que procura o prazer e o comportamento
resultante da frustração é aquele que foge do sofrimento. Por simples
reducionismo eidético pode-se afirmar que todo o comportamento resulta do
conflito decisional entre o prazer e o sofrimento; porém, qualquer tomada de
decisão envolve as estruturas cognitivas. Aspectos elementares bem estudados e
compreendidos como a teoria da dissonância cognitiva, a teoria do doublebind e
a teoria das lacunas mnésicas integram-se na terapia do conflito cognitivo
porém esta terapia é muito mais abrangente; efectivamente, a dissociação
cognitiva das sátiras, ironias, anedotas e respectivas gargalhadas de riso mas
também os paradoxos lógicos e de linguagem, as falácias lógicas, as distorções
e vieses cognitivos assim como as figuras ou recursos estilísticos da retórica
oral e escrita são apenas alguns dos exemplos que amplificam substancialmente a
abordagem integrada do campo e objecto de estudo da terapia do conflito.
A
fenomenologia reducionista tem, tradicionalmente, sido aplicada no afunilamento
da complexidade e diversidade das opções e alternativas que se apresentam a uma
tomada de decisão; este afunilamento reducionista conduz a duas categorias de
opções a escolher: as positivas que permitem satisfazer a necessidade ou
minimizar a carência sentida e as negativas que, não apenas, são incapazes de
satisfazer a respectiva carência sentida como até a podem agravar ou provocar
novas necessidades. O reducionismo dualista da complexidade, ao positivo e
negativo, permite, racionalmente, simplificar e compreender a teoria do
conflito com a formação de três modalidades: conflitos de atracção – atracção
quando ambas as escolhas permitem, de algum modo, reduzir a impulsão carencial
e aumentar a satisfação da necessidade; atracção – repulsão quando um das
escolhas agrava a situação carencial ou provoca novas necessidades e finalmente
a modalidade de repulsão – repulsão em que ambas as escolhas disponíveis, ou possíveis,
são nefastas.
Apesar
de o conflito se integrar no ciclo da motivação / frustração como um dos mecanismos
relacionados com a frustração, é compreensível que as outras modalidades de
resposta a frustração podem, por suas vez, ser racionalmente entendidas como
uma das modalidades de conflito. No âmbito do conflito intrapsíquico, o doublebind
configura um conflito de repulsão – repulsão, a ironia e sátiras irónicas
configuram conflitos de atracção – atracção e as lacunas mnésicas configuram
conflitos de atracção – repulsão. Parece que quando uma criança, ao longo do
seu desenvolvimento mental infantil, é sujeita a excesso de informação referencial
contraditória e sentida como negativa, como acontece nas famílias com predomínio
de informação tipo doublebind e respectivos conflitos de repulsão - repulsão, pois,
essa criança virá mais tarde a desenvolver uma personalidade mais ou menos
esquizoide, introvertida, isolada e com tendências a utilizar a projecção como
mecanismo de defesa; por outro lado, parece que as crianças que ao longo do seu
desenvolvimento mental foram cronicamente sujeitas a excesso de informação
referencial com conflitos de atracção – repulsão, conforme ocorre nas situações
de lacunas mnésicas, pois, estas crianças terão tendência a desenvolver
personalidades mais ou menos histriónicas com extroversão, teatralidade e
mecanismos de defesa do tipo recalcamento repressivo com confabulação a
preencher as respectivas lacunas mnésicas originadas por essa repressão
defensiva. A extrojecção projectiva dos conteúdos de sofrimento mental, enquanto
externalização de “fezes e dejecções” com o respectivo efeito catártico, não consegue
abranger a explicação total dos mecanismos projectivos; efectivamente, as
lacunas de memória mas também qualquer lacuna de sentido, significado ou valor,
por exemplo, conforme se observa em lacunas relacionadas com narrativas incompletas,
formas incompletas, figuras incompletas etc. etc., também estimulam a projecção
ou deslocamento para o exterior de conteúdo próprio do meio interno, porém, ao
completar as lacunas manifestas o conteúdo externalizado, simboliza, agora, carências
e necessidades sentidas pelo meio interno que podem ser saciadas através do
meio externo; assim se explicam muitas das situações onde se aplicam as várias formas
de testes projectivos como o teste da apercepção temática, figura – fundo, borrão
de tinta etc.
Até
este momento, a abordagem da terapia do conflito, tem-se centrado, sobretudo,
na natureza psicodinâmica e comportamental dos conflitos intrapsíquicos; porém,
esta terapia pode, não apenas generalizar-se a todas as teorias que procuram
explicar os fenómenos mentais intrapsíquicos como, também, nas relações interpessoais;
efectivamente, desde os primórdios da analise transaccional que se descrevem as
posições básicas na vida de relação entre um individuo e os seus semelhantes
como: eu estou bem e tu estás bem, eu estou bem e tu estás mal, eu estou mal e
tu estás bem, eu estou mal e tu estás mal; ora, estas posições básicas na vida
de relação social mais não são do que as modalidades de conflito já descritas
mas agora aplicadas à relação entre a pessoa considerada e o seu respectivo
ambiente social.
Doutor Patrício Leite, 6 de Fevereiro de 2022