Paradoxos da falácia aleatória

Pensar a aleatoriedade como a ausência de causalidade determinística num acaso igualitário proporciona falácias paradoxais capazes de enganar toda a ciência das probabilidades matemáticas. Efectivamente, padrões, regras, normas ou conceitos cognitivos como igualdade, continuidade, homogeneidade, infinitude, ... entre tantos outros, constituem atributos próprios de uma realidade humana da consciência pensante, cognoscível; por outro lado, a realidade física, externa, que transcende a humanidade, é uma realidade descontínua, finita, heterogénea, desigual, diferenciada. A noção de aleatoriedade encerra um dualismo constitucional indissociável: por um lado concebe a ideia de um processo repetitivo e, por conseguinte, sempre igual a si próprio; por outro, os resultados desse processo assumem uma desigualdade descontínua e sem padrões determinados, apenas guiados por distribuições de probabilidades. No fundamento das probabilidades encerram-se as ideias de incerteza e de frequência relativa, num número de tentativas testadas, tendencialmente infinito. A aleatorização das probabilidades promove uma dissociação, falaciosa e paradoxal, na relação continente – conteúdo; efectivamente, presume-se erradamente uma igualdade do continente que não influência os resultados com um conteúdo diferenciado. Por exemplo: presume-se que uma moeda tem duas faces iguais mas de conteúdo diferente; presume-se que um dado tem seis faces iguais mas de conteúdo diferente; ignora-se a imanência da relação entre continente e conteúdo para se afirmar, por antítese, a sua transcendência; é aqui que reside a falácia, o erro sistemático da aleatorização; efectivamente, a diferença de relevo patente em cada face de uma moeda, a diferença de relevo ou quantidade de tinta presente em cada face de um dado de jogar, influenciam os resultados e quanto mais pormenorizados, quanto mais minuciosamente aproximados da realidade objectiva, pois, por analogia conceptual com o princípio da incerteza de Heizenberg, maior será a respectiva interinfluência entre continente e conteúdo e, por conseguinte, maior será o erro sistemático de uma aleatorização baseada na sua dissociação. Necessariamente, a imanência e a transcendência do continente e do conteúdo são dualísticamente indissociáveis.

São muitos, os paradoxos das falácias conceptuais relacionados com a aleatorização. Por exemplo, presume-se que se por uma vez, for lançada uma moeda, ou sai cara ou coroa, nunca ambas em simultâneo; ao segundo lançamento já pode sair igual número de caras e coroas, ao terceiro lançamento terá, necessariamente, de sair mais vezes uma do que outra,... e assim sucessivamente,... para lançamentos pares a probabilidade de sair caras e coroas é igual, para lançamentos ímpares esta probabilidade é desigual. Considerar que lançando infinitas vezes uma moeda, resulta em igual probabilidade de sair cara ou coroa, é uma falácia; efectivamente, se o infinito for um número par, pois a probabilidade presumida possível será igual mas, por outro lado, se o infinito for um número impar, pois, a probabilidade possível de sair cara ou coroa será desigual; por conseguinte, afirmar que se uma moeda for lançada infinitas vezes o resultado entre caras e coroas será igual é o mesmo que afirmar o infinito como sendo um número par, ora, o desconhecimento do infinito torna a sua paridade num absurdo; logo, por redução ao absurdo, não se pode afirmar tal igualdade de probabilidades. Avançando para o lançamento de um dado com seis faces, pois o resultado, analogicamente transposto, será semelhante, com a diferença que agora a igualdade de probabilidades possíveis apenas se atinge quando o infinito for um múltiplo de seis, nunca noutra situação. Também aqui, por redução ao absurdo, é inviabilizada a racionalidade igualitária das probabilidades aleatórias. Generalizando: a igualdade absoluta de probabilidades possíveis resultantes da aleatorização infinita, constitui um absurdo do raciocínio humano. Os paradoxos falaciosos continuam; efectivamente, presume-se o absurdo de que a igualdade do aleatório será alcançada no infinito, ou seja, presumem-se os absurdos de uma continuidade da realidade física externa mas também de uma relação homogénea e contínua entre observador e observado até se alcançar o infinito; tudo irracionalidades absurdas! Efectivamente, a realidade física externa parece ser finita e descontínua; é a continuidade da relação entre observador e observado que provoca a sensação de continuidade permanente, mas nunca até ao infinito, esta relação é sempre finita, é uma relação finita de continuidade meramente presumida. Um exemplo elucidativo é fornecido pelo lançamento de um dado com seis faces: ignorando as diferenças de tinta presente em cada face do dado e aceitando que todas as suas faces são iguais, pois, presume-se que em cada lançamento, cada face terá igual probabilidade de ocorrência; pela definição clássica, essa probabilidade = 1/6; por conseguinte, quando o dado for lançado um número infinito de vezes (lei dos grandes números), pois, será atingido o seguinte valor médio: 1/6x1+1/6x2+1/6x3+1/6x4+1/6x5+1/6x6=3,5. Considerando que 3,5 é um número resultante de uma fracção, ou seja, um número racional; considerando que os valores inscritos em cada uma das sies faces do dado são naturais: 1,2,3,4,5,6, pois, este número fraccionário = 3,5 nunca pode sair, ... digamos, em qualquer que seja a face do dado, este número 3,5 nunca se verifica, nunca se encontra, não existe, por conseguinte, qualquer que seja o lançamento, ele nunca pode sair, mais ... também, ... quaisquer que sejam os cálculos matemáticos da racionalidade humana, se forem excluidas as situações de lançamentos com resultados repetidos, pois, ele nunca pode ser atingido para um único lançamento, para três lançamentos, para cinco, sete, nove, ou quaisquer lançamentos em número ímpar do dado; efectivamente, o valor médio=3,5 só pode ser calculado quando, excluindo as situações de resultados repetidos ao longo de mais do um lançamento, se efectuar um total de lançamentos do dado em número par; por conseguinte o valor médio de 3,5 só existe, por cálculo matemático, se o infinito for um número par, ora isto é um absurdo, ... é mais uma redução ao absurdo para a aleatorização contínua até ao infinito. A problemática da finitude vs. infinitude impõe imediatamente um segundo problema: o problema da continuidade vs. descontinuidade; efectivamente, para se atingir o infinito terá de algum modo existir continuidade. Se por mera analogia conceptual metafórica, um jogador de dados fosse a um casino onde apenas pudesse lançar o dado uma única vez, pois, ele nunca poderia afirmar que a média de lançamentos = 3,5; no entanto, se tivesse a oportunidade de lançar o dado por duas vezes, então, já poderia afirmar que, desde que fossem sempre excluidos os resultados repetidos, pois, ao segundo lançamento já teria a probabilidade de 1/5 em alcançar o valor médio de 3,5. Como explicação deste reciocínio, compreende-se que em 15 combinações sem repetição de 6 faces do dado combinadas 2-a-2 os resultados de dois lançamentos: 1 – 6; 2 – 5; 3 – 4; conferem a média de 6+1 = 7; 2+5=7; 3+4=7 como 7/2 = 3,5 pois, o valor médio fica atingido mas as 3 combinações 2-a-2 aqui referidas: 1 – 6; 2 – 5; 3 – 4 são apenas 3 em 15 combinações destas possíveis combinações sem repetição e 3/15 = 1/5 que é, precisamente, a probabilidade de atingir o valor médio para dois lançamentos do dado; por conseguinte, pode-se afirmar que no lançamento de um dado, completamente ao acaso, existem 20% de possibilidades para que se alcance o valor médio ao segundo lançamento. Continuando este modo de raciocínio pode, agora, ser efectuado o cálculo de probabilidades para a média das 6 faces do dado, a variar com o número de lançamentos; efectivamente, excluindo as repetições e combinações repetidas, ou seja: calculando sempre e apenas o número total de todas as possíveis combinações simples ou sem repetição, 1-a-1, 2-a-2, 3-a-3, 4-a-4, 5-a-5, 6-a-6, para as seis faces do dado, em relação com o número de lançamentos e conformidade com o triângulo aritmético ou de Pascal; calculando o valor médio de todas as seis faces do dado, também em relação com o número de lançamentos; torna-se possível, para cada lançamento do dado, estabelecer a razão ou quociente entre o número de combinações simples que atingem o valor médio e o número total de combinações sem repetição. Esta razão ou quociente entre o número de combinações simples que, para cada lançamento do dado, permitem atingir o valor médio e o número total de combinações simples para esse mesmo lançamento do dado, funciona como o cálculo de probabilidades de segunda ordem; é como se trate de calcular as probabilidades de ocorrência das probabilidades; mas atenção, as probabilidades de segunda ordem apenas podem ser calculadas para o segundo, quarto e sexto lançamento; portanto, sempre em número par, por outro lado, a partir do sexto lançamento, para calcular as respectivas probabilidades de encontrar o valor médio probabilístico, tem de ser considerada a repetição das sequências de lançamento. A manutenção deste tipo de raciocínio permite avançar com o cálculo das probabilidades, das probabilidades, das probabilidades, ... ad infinitum. 

Considerando o triângulo aritmético e a tabela seguinte com os respectivos esclarecimentos:

Triângulo aritmético:

Ao segundo lançamento do dado, as combinações simples ou sem repetição 2-a-2 que permitem atingir o valor médio de 3,5 são: 1 – 6; 2 – 5; 3 – 4

Ao quarto lançamento as combinações simples ou sem repetição 3-a-3 que permitem atingir o valor médio de 3,5 são:1-2-5-6; 1-3-4-6; 2-3-4-5

Ao sexto lançamento as combinações simples ou sem repetição 6-a-6 que permitem atingir o valor médio de 3,5 são: 1-2-3-4-5-6

Probabilidade de atingir o valor médio ao segundo lançamento = 3/15 = 1/5

Probabilidade de atingir o valor médio ao quarto lançamento = 3/15 = 1/5

Probabilidade de atingir o valor médio ao sexto lançamento = 1/1 (É muito importante notar que, aqui, apenas contam as combinações simples ou sem repetição, pois, as repetições e combinações com repetição são automaticamente excluídas das contagens).

Torna-se agora possível concluir que a matemática discreta das contagens assume, agora, uma continuidade probabilística de várias ordens, ... até a continuidade filosófica do infinito; que o indeterminismo da aleatoriedade do caos assume, em outros níveis de ordem, uma causalidade determinística; que a continuidade e a descontinuidade não são mutuamente exclusivas mas dualisticamente coexistentes; que o princípio da incerteza de Heizenberg, enquanto fundamento da mecânica quântica, pode, para a realidade finita das actuais limitações humanas, ser enunciado por um fundamento mais básico, mais elementar, um fundamento que resulta da incerteza causada pela dissociação presumida entre o continente e o conteúdo; esta incerteza pode ser ultrapassada, não no actual nível da ordem cognitiva humana, mas sim num outro nível de ordem, sim num nível de ordem que ultrapasse a dissociação presumida entre o continente e o conteúdo, entre continuidade e descontinuidade, entre finito e infinito, ... finalmente, um nível de ordem que considere a imanência e a transcendência como dualisticamente indissociáveis.

Doutor Patrício Leite, 14 de Fevereiro de 2021