Ciclo da motivação - frustração

Introdução

Vida? O que é a vida?

As ciências da vida têm procurado um consenso universal para a definição de vida; impossível; não conseguem. O pensamento e raciocínio filosóficos, abrangentes, vão mais longe, consideram a perspectiva estruturalista e funcionalista; procuram aspectos comuns a todas as formas de vida, … e … encontram: a vida é estruturalmente um princípio organizacional imaterial, … ou seja, analogicamente, assemelha-se a um algoritmo de decisão; por outro lado, funcionalmente, a finalidade ou função da vida é manter a sua permanência. Enquanto princípio organizacional a vida organiza a matéria inerte na criação dos seres vivos; enquanto princípio funcional, todos os seres vivos procuram manter a permanência da vida. O comportamento de todos os seres vivos, incutido do princípio vital, é completamente determinado pela sua conservação e reprodução; a permanência da vida e a inexistência de seres vivos capazes de a conservar eternamente, conjuga a conservação e a reprodução num único princípio comportamental fundamental.

 Homeostase

A vida é apenas uma parte imaterial entre imensas partes separadas, todas separadas entre si, porém, enquanto princípio comum e unificador das restantes partes, permite abordar, cada uma delas, como um sistema; sistema este, cujas partes constituintes se relacionam com o todo e cujo todo se relaciona com as partes: as partes e o todo. Apesar de, em todo o universo, em toda a existência, a vida ser apenas uma: um princípio organizativo e expansivo cuja finalidade é a sua permanência, pois, presente em todos os seres vivos, permite que estes sejam considerados, todos e cada um, como sistemas abertos; isto é, sistemas que trocam matéria e energia com o exterior. Cada um destes sistemas, cada ser vivo, está ao serviço da vida pelo que para manter a sua permanência, para conservar a vida, precisa de estabilizar a sua constância, a sua homeostase; precisa de se manter igual a si próprio.    

 

Estimulo

Nos sistemas vivos, a movimentação de matéria e energia, entre o interior e o exterior, altera a constância do meio interno; por conseguinte, o estímulo funciona como um aviso, um alerta, proveniente do meio interno ou externo, sobre a situação carencial em que o ser vivo se encontra. Nos seres humanos, os estímulos actuam sobre receptores específicos; os estímulos externos actuam sobre órgãos próprios e específicos que os captam e distinguem: visão, audição, olfacto, tacto e paladar; os estímulos internos também actuam em receptores específicos no entanto podem ser conjugados entre si, ou com o resultado de estímulos externos: entre outros, ocorre com a nocicepção mas também com a situação proprioceptiva na manutenção da cinestesia, percepção do movimento e posição corporal. Na teoria dos sistemas os ciclos de retroinformação explicam a coerência homeostática; assim, aplicando ao sistema humano, como um todo, entende-se a sua auto regulação geral a partir dos sistemas nervoso e endócrino porém, em cada célula, tecido ou órgão existem receptores específicos para cada um dos seus ciclos auto reguladores; efectivamente, em teoria dos sistemas, a parte é um subsistema que integra um sistema maior na relação entre a parte e o todo; por conseguinte, coerentemente, o ciclo auto regulador dos estímulos – receptores funciona como um subsistema que é parte integrante de um sistema maior. A integração relacional entre o estímulo e a necessidade é mediada por sistemas cognitivos intermédios como a percepção e a interpretação que implicam uma prévia aprendizagem e memória dos estímulos e sensações captadas pelos órgãos receptores; muitas outra variáveis intermédias como, por exemplo, os raciocínios, as emoções, crenças, atitudes e vontade, interferem na relação entre estímulo e necessidade num ciclo de mutua influencia recíproca, cujo estimulo conduz à sensação aumentada da necessidade, mas também, cuja necessidade conduz a atenção para a captação dos estímulos especificamente relacionados com essa necessidade.         

 

Necessidade

A necessidade é um estado de carência; trata-se de uma carência do meio interno que será satisfeita a partir do meio externo. Essa necessidade, essa carência interior, tem por objectivo último, por finalidade, a permanência e manutenção da vida como um todo único e indivisível. Se a vida é uma só parte, uma entidade única e indivisível pois a diversidade de seres vivos, tocados pela vida, é muito grande, é enorme; é para manter a permanência desta entidade única, desta vida única e indivisível, que todos os seres vivos, toda a diversidade de seres vivos, toda a matéria organizada pela vida, tem como princípio fundamental a sua conservação e reprodução. As necessidades, ainda que ordenadas e organizadas em diferentes categorias têm o seu fundamento, sempre, num estado de carência capaz de impedir a conservação ou reprodução dos seres vivos e assim desestabilizar a permanência da vida. Todas as estruturas organizacionais que categorizam as necessidades apoiam a ideia de que as necessidades fisiológicas, com excepção da necessidade sexual, colocam em risco a vida e sobrevivência do próprio indivíduo, do próprio ser vivo; porém, em ultima instância e de acordo com uma categorização hierárquica, não apenas as necessidades fisiológicas mas também, subindo nessa hierarquia, as necessidades de segurança, pertença a grupos sociais, estima e prestígio, realização pessoal, cognitivas ou estéticas; todas as necessidades, todas as carências, todas sem excepção, colocam em perigo a sobrevivência dos seres vivos e a manutenção da permanência da vida. Enquanto a necessidade de segurança procura afastar os perigos que ameaçam a integridade do ser vivo, pois, a necessidade de pertencer a grupos sociais surge para satisfazer, não apenas a conservação da sobrevivência individual mas também a função reprodutiva como modo de manter e prolongar a vida da espécie; enfim, todas as necessidades obedecem ao princípio da conservação e reprodução dos seres vivos com a finalidade de continuar a permanência da vida.      

 

Pulsão

Todas as necessidades, todos os estados de carência interna, quaisquer que sejam as suas posições na estrutura hierárquica, geram uma energia que impulsiona o ser vivo a um comportamento capaz de diminuir e eliminar essas necessidades; quanto maior o estado de carência, pois, maior será a intensidade da pulsão de conduta comportamental. O ser humano está simultaneamente a sofrer múltiplas carências, múltiplas necessidades dos vários níveis da categorização hierárquica; a pulsão é mais intensa para o estado de maior carência; em termos de carência absoluta o ser vivo procurará sempre satisfazer primeiro as necessidades dos níveis hierárquicos mais baixos, pois é nas bases da pirâmide hierárquica que se encontram as necessidades de sobrevivência e reprodução, porém, na vida rotineira diária, os mediadores cognitivos seleccionam o comportamento motivado mais apropriado a uma gestão eficaz da satisfação das necessidades e da disponibilidade de recursos capazes de proporcionar a saciedade e reduzir a intensidade da pulsão motivacional.       

 

Comportamento direccionado

O comportamento motivado é um comportamento dirigido, direccionado para um objecto percepcionado e entendido como capaz de satisfazer a necessidade que o origina. O comportamento motivado procura reduzir ou eliminar a pulsão que o impulsiona, para isso terá de atingir um objectivo específico e determinado pelas estruturas cognitivas que interpretam a carência do meio interno e seleccionam os estímulos do meio externo capazes de satisfazer essa carência. Enquanto as necessidades e pulsões são subjectivas e próprias dos organismos que as sofrem, pois, os estímulos e comportamentos podem ser observados externamente. Nas interacções humanas existem muitas variáveis confundentes que nem sempre permitem descobrir o estímulo ou objecto para o qual se dirige um comportamento motivado porém, tanto o contexto da interacção comportamental como o contexto da comunicação relacional permitem, atentamente, concluir a natureza da necessidade insatisfeita e os potenciais estímulos externos capazes de a satisfazer e, por conseguinte, o comportamento mais adequado a proporcionar essa satisfação; por exemplo, uma pessoa com fome poderá não manifestar abertamente um comportamento dirigido para a aquisição de alimentos mas, nas interacções com outras pessoas irá, certamente, abordar com maior frequência os assuntos relacionados com a alimentação.

 

Barreira

A barreira é um obstáculo interno ou externo que impede o ser vivo de alcançar os objectivos capazes de satisfazer as suas necessidades. A consecução dos objectivos implica sempre, em todas as etapas e em todos os níveis, alguma dificuldade, alguma resistência, algum obstáculo ou barreira a ultrapassar e vencer. As barreiras internas são, frequentemente, aprendidas por condicionamentos comportamentais anteriores, impostos ao longo da infância, da vida e do acumular de comportamento aprendido. As teorias psicodinâmicas, derivadas da psicanálise, entendem esse comportamento condicionado aprendido como a integração de padrões culturais relacionados com a moralidade que irão constituir o superego como oposição à satisfação das necessidades sexuais derivadas o id e mediadas pelo ego; as defesas do ego consistem em respostas a frustração originada pelo obstáculo interno (superego) que se opõe a satisfação das carências sexuais; frequentemente as defesas do ego apresentadas internamente, em face de um obstáculo interno, são iguais às respostas a frustração perante um obstáculo externo. As terapias familiares sistémicas encaram a dificuldade de comunicação, sobretudo a troca de informação emocional, no seio do grupo familiar, como barreira ou obstáculo capaz de frustrar as necessidades sociais de pertença a um grupo, neste caso a família como grupo social mas também fundamental enquanto resultado do nascimento biológico. Todas as teorias que explicam o comportamento humano, tanto na saúde como na doença, apesar de se auto atribuírem com características diferentes, têm os seus fundamentos conceptuais e racionais no ciclo da motivação/frustração. As barreiras ou obstáculos capazes de impedir a satisfação de necessidades e causar frustração, podem ser categorizadas com base na natureza das barreiras e objectos (objectivos) externos que permitam satisfazer as carências, no entanto, convém ressalvar que é a natureza da necessidade que permite uma classificação estrutural mais funcional e adaptada; efectivamente, são as necessidades que constituem as variáveis independentes e os objectivos são as variáveis dependentes numa função cujos objectos podem satisfazer uma ou mais necessidades, por exemplo: o dinheiro pode satisfazer necessidades de segurança mas também de pertença a grupos e de prestígio; o grupo social pode satisfazer múltiplas necessidades ou carências, mas também, causar essas ou outras necessidades.



Saciedade

A aquisição ou integração do objecto, externo ou interno, nos mecanismos relacionais da vida promove a satisfação progressiva da necessidade com redução sucessiva do estado de carência até atingir a satisfação necessária ou saciedade. Com a redução sucessiva do estado de necessidade, de carência, também a pulsão motivacional sofre uma redução sucessiva na sua intensidade e por conseguinte a força que impõe, ao ser humano, um comportamento direccionado é, cada vez, menos intensa até ao momento da saciedade; a partir deste instante o organismo vivo, o ser humano, abandona o comportamento direccionado para aquele objectivo concreto e, porque outra pulsão se torna a força motivacional dominante, também o organismo é compelido a adoptar um novo comportamento direccionado para o respectivo objecto capaz de satisfazer essa nova carência que agora se tornou a necessidade dominante. O ser vivo, o ser humano, está sempre num estado carencial relativo, numa insatisfação permanente das suas necessidades e a necessidade dominante determina o comportamento dominante até ao momento da saciedade.

 

Decepção

Todo o comportamento humano, qualquer que seja, obedece ao ciclo da motivação / frustração; por conseguinte, dirigido para um objectivo, está sempre sujeito a uma resistência; aliás, se motivar é mover, pois, todo o movimento tem, sempre, de vencer alguma resistência. Quando o ser humano, contando com as resistências que terá de vencer, efectua cálculos e planeamento comportamental na expectativa de ultrapassar essas resistências, essas barreiras, esses obstáculos, pois, a força da confiança motivacional para um objectivo positivamente procurado, orienta e controla o respectivo comportamento; por outro lado, se no trajecto para o seu objectivo o ser humano encontra uma barreira inesperada e inultrapassável, uma barreira que não tinha planeado, que não esperava encontrar, um obstáculo que não consegue vencer, uma barreira que não consegue ultrapassar, pois, surge um primeiro sentimento de engano, surge a quebra de uma expectativa, surge o espanto, o inesperado e, por conseguinte, imediatamente, a decepção.

 

Impulso

Na sequência da barreira inesperada e inultrapassável surge a consequente decepção secundada por um impulso, cada vez mais forte, que impõe, irreflectidamente, a emissão de comportamentos alternativos; comportamentos de resposta a frustração. Tanto a pulsão que resulta da força da necessidade carencial como o impulso que resulta da imposição inesperada de uma barreira inultrapassável, ambos, têm em comum a capacidade de impor ao organismo vivo um comportamento predeterminado; a pulsão surge do interior, de dentro do organismo e impõe um comportamento vocacionado para o exterior, comportamento este, baseado na esperança de conseguir alcançar um objectivo e saciar a necessidade carencial, por outro lado, o impulso surge do exterior, de fora do organismo e impõe um comportamento vocacionado para o interior, ou seja, um comportamento baseado na barreira, baseado no obstáculo que terá de ser ultrapassado, por conseguinte, associado com o medo de não conseguir ultrapassar essa barreira e, assim, não satisfazer a necessidade de saciar o respectivo estado carencial. Conforme a percepção da barreira e da sua crescente imposição inultrapassável, assim cresce o impulso para um comportamento de resposta à frustração; este comportamento é de natureza impulsiva, ou seja, irreflectido, imposto ao organismo e predeterminado; é um comportamento categorizado em agrupamentos de modos comportamentais relativamente estáveis, ritualistas, pouco variáveis, sem grande intervenção da racionalidade cognitiva nem da autonomia soberana da vontade.         

 

Resposta a frustração

A motivação e a frustração constituem sequências comportamentais indissociáveis, efectivamente, sem uma força motivacional imponente e capaz de dirigir o comportamento para objectivos externos, previamente identificados como capazes de saciar a carência interna, também não seria possível a existência de uma barreira capaz de impedir essa satisfação da necessidade. A frustração não é uma mera emoção isolada, também não é uma resposta comportamental mais ou menos imersa ou resultante dessa emoção; efectivamente, a frustração é todo um processo sequencial capaz de conduzir o comportamento dos seres vivos; todo o comportamento, humano, animal ou de qualquer outro ser vivo, todo e qualquer que seja, resulta do processo cíclico da motivação – frustração. As sensações, percepções, interpretações dos estímulos; a mediação cognitiva, as atitudes; crenças, afectos e emoções, memória e inteligência, racionalidade e vontade, enfim, todas essas características, mais ou menos desenvolvidas, apenas servem para satisfazer um estado de carência interna que pode ser saciado a partir do meio externo mas também para ultrapassar, afastar ou responder a qualquer resistência, obstáculo ou barreira, que se oponha a essa satisfação. Por semelhança com as muitas classificações das necessidades, pois, também, são imensas as classificações e agrupamentos para os comportamentos de resposta a frustração; efectivamente, as múltiplas semelhanças e diferenças que se encontram e manifestam nessas respostas permitem categorizar imensos sistemas de classificação com base na emissão de determinadas respostas comportamentais mas também nas teorias que explicam e enformam essas respostas.

O conflito é uma modalidade de resposta interna a frustração que se coloca sempre que existe uma decisão para tomar. A teoria da decisão apenas consegue validade intrínseca quando integrada no ciclo motivacional com necessidade – pulsão – decisão – comportamento direccionado etc., mas, … a decisão implica ponderação dualista entre factores agónicos e antagónicos, … o antagonismo significa barreira ou obstáculo à implementação da decisão com respectiva frustração e daí o conflito intrapsíquico como uma das respostas a frustração; os tipos de conflito são: atracção – atracção, atracção – repulsão, repulsão – repulsão. O conflito mental tem impulsionado significativamente o avanço da teoria psicopatológica mas também das restantes áreas sociais da interacção humana; aspectos conceptuais da comunicação, como o doublebind ou duplo vinculo e a linguagem paradoxal, constituem barreiras ou obstáculos frustrantes cuja resposta habitual é um conflito interno; admite-se que uma frustração crónica do tipo doublebind no âmbito da comunicação familiar pode ter como resultado uma resposta crónica à frustração do tipo conflito interno de repulsão – repulsão com comportamentos que foram associados a patologia esquizofrénica; muitos paradoxos de linguagem e aspectos esporádicos, ou meramente pontuais, de doublebind também podem ser encontrados em sátiras humorísticas irónicas e brincadeiras sociais funcionando, aqui, como resposta a frustração pelo uso da ironia; obviamente, a ironia é também classificada como uma resposta a frustração, do tipo comportamental agressiva mais ou menos mitigada. A dissonância cognitiva e toda a teoria que a enforma, constituem mais algumas das muitas modalidades conceptuais de encarar a resposta a frustração pela via do conflito mental intrapsíquico. Efectivamente, o conflito enquanto obstáculo frustrante e modalidade de resposta interna a frustração, pode ser categorizado em dissonância cognitiva, doublebind, linguagem paradoxal, ironia satírica humorística etc., no entanto salienta-se que a ironia é também categorizada como eufemismo agressivo ou agressão mitigada em contraposição com a violência como agressão hiperbólica, exagerada, e o deslocamento da agressão para objectos substitutos externos (vivos ou inanimados) que, se socialmente aceitáveis, se apelidam de sublimação da agressividade, por outro lado se, pelo mecanismo de substituição, se dirige a agressividade e violência para o self ou meio interno, pois, então, a própria vida da pessoa frustrada fica colocada em risco de aniquilamento; outras classificações colocam a auto agressão como uma resposta comportamental relacionada com a introjecção ou interiorização do mau objecto que se tenta destruir; a introjecção será uma forma específica e particular de identificação corporal com a entidade agressora ou frustrante mas quando a auto agressividade é cronicamente deslocada e dirigida para o meio interno, corporal, surgem danos ou lesões que podem ser negadas ou, tentativamente, efectuar uma anulação retractiva, já a formação de reacção inverte comportamentos anteriores com o objectivo de compensar os danos provocados por uma auto agressão crónica. Enquanto respostas como identificação, introjecção, etc., resultam de movimentos dinâmicos do exterior para o interior, há outras, como a projecção, a transferência e em certa medida a conversão, que deslocam o interior da vida mental para o exterior, para a realidade envolvente, que deformam; também, respostas como a fantasia, idealização e intelectualização, não apenas deformam a imagem, ou representação interna da realidade envolvente como, numa tentativa de compensação, a reconstroem por mecanismos mais ou menos cognitivos. Se por um lado todas as respostas relacionadas com a agressividade comportamental têm como objectivo afastar o obstáculo que impede a satisfação da necessidade, também, por outro, respostas relacionadas com a apatia se caracterizam por uma forma, mais ou menos directa, mais ou menos dissimulada, de desistência de atingir o objectivo que satisfaz a carência sentida. O isolamento procura delimitar o obstáculo e a respectiva resposta à frustração para melhor resistir no combate que se trava mas quando a barreira persiste e a resistência fraqueja, tornam-se necessárias outras estratégias, outras respostas, por vezes regressivamente procuradas em comportamentos anteriores que já tiveram resultados positivos em ultrapassar obstáculos frustrantes, outras simplesmente racionalizando a desistência do objectivo e arranjando uma razão para ter a razão que justifica essa desistência.

O comportamento de resposta a um obstáculo que impede a saciedade de uma carência interna, que impede a satisfação de uma necessidade, é sempre um comportamento de mudança: com este comportamento, ou muda o meio externo, o obstáculo frustrante, a barreira ou, por outro lado, muda o meio interno, o ser vivo que apenas pretende saciar a sua necessidade. Respostas a frustração pelo uso predominante de estruturas cognitivas, como é o caso da intelectualização, da racionalização e da fantasia, são tipicamente agrupadas como tentativas de mudar o meio interno para ultrapassar o obstáculo e atingir os objectivos; outras como a agressão, o deslocamento, a substituição, transferência e projecção, caracterizam-se pela mudança, mais ou menos acentuada, do meio externo, ou seja, do obstáculo que impede a satisfação da necessidade; contudo, algumas respostas envolvem alterações simultâneas do meio interno e externo.

Os agrupamentos de respostas e reacções à frustração dependem, em larga medida, do interesse funcional dessas categorizações; se pela psicopatologia se releva o dinamismo mental, apelidando frequentemente algumas das reacções a frustração como mecanismos de defesa do ego, pois, pela perspectiva social e laboral agrupam-se respostas que envolvem as pessoas como obstáculos frustrantes. Tradicionalmente, aceita-se que o comportamento é saudável quando procura alcançar um objectivo, uma motivação, uma recompensa; por outro lado, o comportamento é patológico quando procura ultrapassar uma barreira, foge de um obstáculo, foge de uma punição; o importante é que todo o comportamento, em todos os seres vivos, está sempre associado com o binómio motivação/frustração.



Doença

A frustração de necessidades pode ser causa de doença mental, física ou mesmo a morte. Quando as necessidades fisiológicas fundamentais são impedidas de satisfação, pois, a morte é, habitualmente, uma consequência mais ou menos imediata: qualquer obstáculo frustrante que impeça a respiração e as respectivas trocas gasosas coloca a vida em risco imediato de aniquilamento; também, a necessidade de beber e hidratar o corpo ou a necessidade de alimentos, são exemplos clássicos de necessidades fisiológicas cuja frustração coloca a vida em risco; por outro lado, a necessidade sexual, é importante para a manutenção da espécie mas não coloca perigo para a sobrevivência do ser vivo individual, por conseguinte, a carência de sexo é, frequentemente, classificada como uma necessidade fisiológica que não coloca risco directo à vida, no entanto, pode causar doença mental, social, familiar, laboral etc., com todas as respectivas consequências. Os fundamentos da teoria psicanalítica, e das suas derivadas psicodinâmicas, assentam na frustração da necessidade sexual como causa das doenças mentais; a carência crónica ontogénica de sexo, a frustração da necessidade sexual, desde a sua origem e ao longo do desenvolvimento humano será, para os psicanalistas, a origem da neurose, da doença mental, mas também do carácter e da personalidade. Se a necessidade sexual nasce com a pessoa, pois, também a necessidade de sono, a necessidade de dormir, é congénita e a sua privação reveste patologia psicofisiológica. A frustração crónica das necessidades de segurança está, basicamente, presente em todas as doenças mentais: o medo e a ansiedade são os grandes sintomas da doença e da perturbação mental e emocional. A frustração das necessidades de integração e pertença a grupos, estima, prestígio e restantes necessidades de carácter social causam problemas, frequentemente problemas médicos, relacionados com a vida em comunidade.

Toda e qualquer doença é causada por um estado de carência do meio interno, um estado de necessidade, uma carência que não foi satisfeita; contudo, salienta-se que necessidades fisiológicas muito específicas como, por exemplo, a simples carência de ferro, causam doenças específicas como a anemia ferropénica; por outro lado, necessidades classificadas como mais gerais e abstractas, pois, causam doenças, também, classificadas como mais gerais e abstractas. Obviamente, se qualquer que seja o obstáculo capaz de frustrar e impedir as trocas gasosas causa doença respiratória, pois, também o excesso de oxigénio causa lesão pulmonar; se a carência de vitaminas causa doença por hipovitaminose, pois, outro tanto se pode afirmar nos excessos, nas hipervitaminoses; o organismo humano, mas também todo o ser vivo, movem-se entre limites bem circunscritos, entre valores mínimos e máximos bem delimitados, e o excesso de oferta, o excesso de exposição a factores capazes de saciar necessidades, também é frustrante, o conflito, ainda que do tipo atracção – atracção, constitui um obstáculo à tomada de decisão, uma frustração; qualquer excesso capaz de ultrapassar os valores, mínimos ou máximos, em que os seres vivos se movem, constitui um factor de agressão, uma noxa frustrante, uma barreira, um obstáculo directo ou indirecto ao funcionamento das vias metabólicas e bio-psico-sociais, por conseguinte, surge a insatisfação de necessidades cujo resultado final é a doença.

 

Recuperação

A motivação e a frustração caminham juntas, indissociáveis; efectivamente, há sempre um obstáculo, uma resistência, qualquer que seja, à progressão do comportamento motivado, do comportamento direccionado para um objectivo capaz de satisfazer uma carência interna, uma necessidade. Sabe-se que, qualquer organismo vivo é finito, tem limite, tem fim; por conseguinte, em qualquer organismo vivo, há sempre uma delimitação de valores ou parâmetros entre os quais a vida, nesse organismo, é permitida; tanto a deficiência como o excesso de exposição a um objecto externo causam carências, causam frustração de necessidades, impedem a continuidade da sobrevivência por transportarem o organismo para valores de parâmetros para além dos quais a vida deixa de lhe ser permitida. Apesar de existir sempre uma barreira frustrante, que se impõe a qualquer comportamento motivado pois, também, os comportamentos resultantes da frustração permitem, de algum modo, ultrapassar essa barreira e recuperar a capacidade de sobrevivência, recuperar a saciedade de uma necessidade. Apesar de existir, sempre e em simultâneo, múltiplas necessidades, múltiplas carências a reclamar satisfação, pois, uma delas supera as restantes e impondo-se com maior veemência, com maior rigor; no ser humano, a carência dominante impõe-se à consciência determinando as escolhas comportamentais, as possibilidades de decisão; por conseguinte, o comportamento motivado é um comportamento direccionado, é um comportamento determinado; contudo, a determinação do comportamento e a respectiva privação da liberdade não são totais, ou seja, a criatividade vai-se manifestando em cada escolha, em cada tomada individual de decisão; a criatividade permite escolher, dentro de um reportório comportamental, aquele que melhor se adequa a satisfação da necessidade dominante ou, então, aquele que melhor se adequa a ultrapassar o obstáculo frustrante; nesta sequência, conforme a resposta à frustração vai permitindo ultrapassar a barreira que impede a satisfação, pois, também, a recuperação vai ocorrendo, o estado de carência vai sendo progressivamente satisfeito diminuindo sucessivamente as pulsões e impulsos para comportamentos determinados, finalmente surge o momento em que o organismo vivo atinge a saciedade.

 

Saciedade

Um organismo vivo, plenamente satisfeito, tem plena criatividade, plena liberdade de criação, contudo, após a satisfação de uma necessidade, imediatamente, outra se impõe à consciência, outra toma a posição dominante, o ciclo motivação – frustração recomeça; a saciedade é apenas o auge vitorioso, o auge momentâneo de um comportamento motivado e, por conseguinte, direccionado para um objectivo. A saciedade é apenas aquele momento, em que o organismo vivo, deixou de sentir o impulso para a realização de um comportamento direccionado; nesse rigoroso momento, cessou a força da motivação, o organismo vivo tornou-se livre de constrangimentos, o organismo humano libertou a consciência de uma força motivadora dirigente; os obstáculos, barreiras e resistências foram, por intermédio dos comportamentos e respostas resultantes da frustração, ultrapassados e vencidos. A tentativa de manter a constância homeostática do meio interno, inicia-se no preciso momento em que a saciedade é atingida, contudo, qualquer organismo vivo, como sistema aberto, como sistema que troca matéria e energia com o meio externo, mas também, como sistema que realiza processos metabólicos internos, pois, imediatamente após o momento de saciedade, inicia automaticamente um excesso, catabólico ou anabólicio que, relacionado com a via metabólica em referencia, progressivamente, vai impondo o sentimento de nova carência, nova necessidade recomeçando o ciclo da motivação – frustração. O pluralismo de vias metabólicas, impõe múltiplas necessidades que, em simultâneo, reclamam satisfação; no entanto, a necessidade mais fundamental, a necessidade que coloca em causa a sobrevivência do organismo ou, porquanto, da sua espécie e da vida como um todo, é aquela que se sobrepõe na imposição de um comportamento motivado e direccionado para o respectivo objectivo; somente após a satisfação, após o momento da saciedade, outra necessidade toma a dianteira passando a dirigir a consciência para um objectivo determinado respectivamente pela nova necessidade.   

 

Síntese crítica

O fundamento de todo o comportamento está no binómio motivação – frustração; efectivamente, desde que se admita a existência, generalizada a todos os seres vivos individuais, de um meio interno e um meio externo; meios estes, cujo dinamismo, independente, pode facilitar ou impedir a concretização da necessidade de permanência da vida, pois, também, será inevitável a necessidade interna como força da motivação e a barreira externa como obstáculo frustrante. São imensas as teorias que explicam o comportamento; nos seus aspectos individuais, sociais, saudáveis e patológicos, todas as teorias se baseiam no ciclo binomial motivação – frustração: as teorias da aprendizagem e comportamento, a partir do momento, que concebem a aprendizagem como uma mudança do meio interno a partir do meio externo, pois, automaticamente, estão a aceitar o binómio motivação – frustração para explicar o comportamento aprendido; até as ideias de estímulo – resposta, punição – recompensa ou recompensa positiva – recompensa negativa, entre outras, estão dentro do ciclo motivação – frustração; as teorias psicanalíticas e suas derivadas psicodinâmicas, apesar do seu fundamento na necessidade sexual como origem de todo o comportamento psicopatológico, aceitam o binómio motivação – frustração; efectivamente, a necessidade sexual não é necessária para a manutenção da sobrevivência individual mas sim da espécie e da vida como um todo, por conseguinte, a sua frustração crónica causa apenas doença mental mas não a morte do organismo; a psicanálise admite que a força motivacional provém do id, a barreira frustrante é internalizada sob a forma de superego e o ego serve de mediador entre este conflito motivação – frustração, por outro lado, os mecanismos de defesa do ego mais não são do que respostas à frustração com a finalidade de ultrapassar o obstáculo e barreira impostos pelo superego e satisfazer a energia libidinosa proveniente do id; as teorias sistémicas familiares assentes em sistemas abertos, que trocam matéria e energia com o exterior, quando associadas com à comunicação emocional entre os elementos da família ou grupo, servem para, entre outros, explicar os facilitadores e repressores de comportamentos no seio da família, ou seja o dinamismo da motivação – frustração mas agora entre partes de um grupo ou, então, entre as partes e o todo. Há teorias fragmentárias que apenas explicam parte do comportamento humano; estas teorias, frequentemente, envolvem apenas uma parte do ciclo motivação – frustração: no âmbito do conflito como resposta a frustração, surge a teoria do doublebind e a teoria da dissonância cognitiva, como exemplos de intensa pormenorização fragmentária; obviamente, estas poderiam ser integradas num grupo mais abrangente. Sabe-se que a confabulação é uma resposta cognitiva à amnésia lacunar; este tipo de amnésia está descrito em situações de histeria mas também no alcoolismo, ou seja, a mente humana preenche as lacunas da memória com factos ou realidades fictícias; a mente humana, como que tem horror ao vazio e, por isso, preenche as lacunas da memória com acontecimentos fictícios imaginados; a disfunção cognitiva lacunar, a dissociação cognitiva, a comunicação por doublebind, as ironias satíricas, os paradoxos lógicos e de linguagem, entre tantos outros aspectos da visão cognitiva, integram-se no conflito como uma das respostas à frustração e, por conseguinte, no ciclo da motivação – frustração; uma teoria conflitual cognitiva da frustração poderia, num futuro próximo, constituir uma ideia criativa para uma nova psicoterapia; a sua aplicação iria produzir resultados positivos, não apenas em muitas disfunções cognitivas clássicas mas também nos delírios psicóticos.

Doutor Patrício Leite, 19 de Janeiro de 2022