A
semiologia médica psiquiátrica descreve os sinais e sintomas próprios da doença
e sofrimento mental numa tendência de compreensão nosológica, etiológica mas
também psicopatológica, integrando os mecanismos saudáveis e doentios da vida
mental numa estrutura e funcionamento sistémico. As terapias familiares sistémicas,
ao encarar a comunicação entre os vários subsistemas e membros da família, a
todos os níveis; ao encarar a disfunção familiar como uma disfunção da
comunicação, verbal, não-verbal e emocional, entre os elementos da família; ao
negar a ausência de comunicação em qualquer interacção familiar; ou humana, “…
não há, não comunicação, …”; está a colocar na comunicação a base fundamental
da psicopatologia dos dinamismos familiares sistémicos; também a teoria da
análise transaccional, ao colocar nas transacções de emoções, afectos e
carícias, a base do fundamento relacional interpessoal e as perturbações destas
transacções como fundamento da psicopatologia relacional está, implicitamente, a
colocar a comunicação humana no centro da explicação para as perturbações inter
e intrapessoais; a psicanálise, primeiro divide a mente em três instâncias
psíquicas; ego, superego e id, depois encara as relações entre estas três
instâncias como determinantes do dinamismo da vida mental; inequivocamente, ao
colocar a identificação com o agressor como um mecanismo de defesa do ego, está
implicitamente a afirmar a pré existência desse ego, agora auto identificado,
como uma instância psíquica da consciência mas está, também, a comparar
analógica e metaforicamente, a existência do ego com a realidade frustrante
exterior, em função da identidade da consciência. Na realidade, desde a
identidade pessoal individual até ao nível grupal, ou nacional, qualquer
designação humana onde entra a formação de uma identidade, resulta da
confrontação conflitual entre um espaço interior e um modelo externo que,
analogicamente, se procura copiar e imitar na constatação formativa e
demonstrativa dessa identidade. É precisamente nesse espaço comum de
interconectividade, entre a realidade interna e externa, que se encontra a
identificação da identidade.
Cada
filosofia e escola do pensamento atribui, geralmente, um cunho próprio na sua
descrição semiológica. Assim, a corrente psicanalítica, encara a neurose como
um sofrimento crónico com conflitos intra psíquicos, cujos sintomas patológicos
surgem como solução de compromisso entre essas tendências conflituais
antagónicas; actualmente os conceitos de neurose têm tendência a desaparecer;
as correntes mais pragmáticas tendem a uma descrição empirista, observacional,
com base estatística e frequentemente impregnada pelas teorias do comportamento
condicionado. Quando a abordagem semiológica procura a essência do fenómeno
patológico da vida mental, então surge uma descrição reducionista a essa
condição “ sine qua non” a esse “eidos”; fenomenológico como propriedade
fundamental de qualquer sinal ou sintoma patológico da vida mental.
Fenomenologicamente
aceita-se a essência do delírio como um erro do juízo e, por sua vez, o juízo é
uma relação entre conceitos; aceita-se que alucinação é uma percepção sem
objecto e ilusão é um erro da percepção; aceita-se que a ansiedade é um medo
sem objecto, … e por aí adiante.
As
teorias da informação, da comunicação, inclusivamente, a psicolinguística têm
tido um desenvolvimento, autonomia e aceitação crescentes, na explicação de
fenómenos biológicos, como o código genético, mas também de ciências humanas e
até, ainda que rudimentarmente, em psiquiatria, quando se abordam alguns fenómenos
psicóticos como ocorrendo desfasados e na ausência de contexto ou referencial
externo. Surge agora a proposta de uma psicanalogia criativa, intensa e
organizada, capaz de aplicar os métodos comunicacionais a uma descrição sistematizada
da semiologia psiquiátrica e psicopatologia geral; na realidade, é sabido que
os elementos fundamentais da comunicação são elencados tradicionalmente como:
emissor, receptor, mensagem, código, contexto e contacto; a cada um destes elementos
de comunicação corresponde uma função da linguagem, assim: ao emissor
corresponde a função emotiva, como expressão das suas emoções, sentimentos e
afectos, ao receptor corresponde a função apelativa, ou conactiva, no sentido
de o mobilizar, ou persuadir, através de apelos ou ordens; à mensagem a função
poética, ou estética, que a procura estruturar e moldar a sua tonalidade
proporcionando, assim, um certo suplemento adicional ao sentido da mensagem, ao
código, quando se tenta explicar a si próprio, quando comunica sobre si
próprio, corresponde a função metalinguística; ao contexto a função
referencial, ou denotativa, cuja objectividade dos factos comunicados a torna
num objecto de informação; finalmente, ao contacto, ou canal, corresponde a
função fáctica cujo objectivo é estabelecer, prolongar ou interromper, a
comunicação.
Compreender
as psicoterapias é aceitar a realidade existencial fundamental de uma
influenciabilidade e comunicabilidade interpessoais sempre presentes; de facto,
desde os tempos primordiais, na história da psicoterapia, o homem influenciou e
foi influenciado pelos seus semelhantes através da comunicação; a psicanálise e
as psicoterapias dinâmicas, suas derivadas, permitem depreender e deduzir todos
os seis elementos da comunicação entre as instâncias psíquicas do ego, superego
e id; o ser humano, completo nas suas componentes bio-psico-social, mais não
será do que a biologia inata do id, a psicologia do ego e a sociologia cultural
do superego; a interpretação analítica da psicanálise mas também da semiologia
médica e até das ciências, em geral, mais não é do que uma aplicação prática
dos elementos da comunicação. No ser humano, mais desenvolvido, o signo linguístico,
utilizado como uma representação abstracta entre significante e significado
permite uma linguagem denotativa cuja função metalinguística, centrada no
contexto ou referencial, informa com o máximo de rigor e objectividade sobre a
realidade circundante; porém, em prol desse desenvolvimento humano, logo a
linguagem conotativa, resultante da centralização poética na mensagem, permite
a atribuição conotativa de múltiplos significados artísticos; por oposição o símbolo,
ao presentificar o significado e o significante, na realidade concreta
observável, apesar das inerentes conotações, deixa sempre transparecer uma
regressão linguística analógica, comum a vários seres vivos e crianças em
desenvolvimento cognitivo. O signo, o símbolo, a denotação e conotação, os
elementos da comunicação e as funções da linguagem são, entre outras, estruturas
funcionais capazes de explicar toda a semiologia psicopatológica geral.
Considerando
o pensamento pessoal privado, como uma comunicação interior e individual,
compreende-se imediatamente que as funções da linguagem e os elementos da
comunicação se articulam entre um emissor e um receptor do ego, consciente e
identitariamente, mais ou menos coincidente; as perturbações do pensamento, com
ideias psicóticas e delirantes, poderão corresponder a diferentes disfunções disjuntivas,
mais ou menos acentuadas, dessas identidades egóicas; porém cumpre sublinhar
que a classificação nosológica do delírio, sobre este ponto de vista, se faz de
acordo com a tónica do elemento de comunicação onde predominantemente a
identidade do ego se coloca; por exemplo, num delírio de grandeza, habitualmente
associado com crises psicóticas maniformes, a identidade do ego delirante
coloca-se predominantemente na sua componente externa que resultou da
frustração agressiva identitária, é esta componente externa da identidade disjunta
que, funcionando como emissor, envia mensagens delirantes de grandeza para os receptores
que podem ser constituídos predominantemente pela componente interna da
identidade ou então pelas pessoas da vida real de todos os dias; nos delírios
persecutórios, habitualmente associados com perturbações psicóticas paranóicas,
a realidade externa, hostil e frustrante, gerou ao longo do desenvolvimento
infantil uma componente interna da identidade egóica que, frágil e com medo
delirante, se sente ameaçada e perseguida por inimigos maldosos constituídos
essencialmente pela componente externa da identidade; nos delírios de grandeza
e persecutórios, os elementos da comunicação, que envolvem o emissor e o
receptor, parecem ser as componentes interna ou externa resultantes da constituição
formativa da identidade egóica, a mensagem parece ser constituída pelo conteúdo
do delírio, o código é próprio da língua que o doente utiliza naturalmente para
pensar, o contexto depende da situação concreta em que o delírio se desenvolve
e o contacto segue os canais interiores das vias do pensamento; quando as
ideias delirantes de auto referência são muito abundantes, pois, a função da
linguagem predominante poderá ser emotiva, centralizada na expressividade
emocional do emissor, porém, outros delírios, como por exemplo, nos delírios
místicos ou religiosos, a actividade delirante poderá estar centralizada numa
pessoa que se considera mensageiro de um ser sobrenatural e, por conseguinte,
um contacto ou canal de comunicação cuja função de linguagem predominante será
fáctica com o objectivo de estabelecer a respectiva comunicação; a exuberância
da actividade teatral presente no comportamento histérico e personalidades
histriónicas, parece centralizar-se no receptor da mensagem com uma função de
linguagem predominantemente apelativa ou conactiva; a mania da dúvida com a
ansiedade e os rituais de verificação, sucessiva e permanente, que as personalidades
obsessivas - compulsivas, ou anacásticas, manifestam poderá estar relacionada
com uma dificuldade da identidade egóica cuja comunicação interna não se
consegue centrar em nenhum dos elementos da comunicação; emissor, receptor,
mensagem, código, contexto e contacto, por conseguinte, nos seus rituais de
dúvida e verificação percorre ordenadamente cada um destes elementos da
comunicação na tentativa de encontrar uma função da linguagem que lhe forneça a
previsão de segurança e confiança, necessária e requerida, para diminuir a
incerteza, o risco e a respectiva ansiedade.
Considerando,
agora, os princípios psicanalíticos da mente e respectivas estruturas
fundamentais cuja componente biológica vital do id, inata e presente desde a
nascença, se confronta ao longo de todo o desenvolvimento infantil com a
realidade externa e um superego cultural para a formação de um ego
dualísticamente identitário, pois, torna-se compreensível a utilização do signo
linguístico abstracto, nas suas componentes significado e significante, em
relação directa e progressiva com o desenvolvimento mental; por oposição, a
actividade regressiva e fragmentária do ego identitário proporciona o predomínio
do simbolismo como modo de comunicação analógica e metafórica do pensamento
delirante ou das crises ritualísticas obsessivas - compulsivas. No simbolismo,
a realidade simbólica do símbolo, como que presentifica o objecto simbolizado;
esta confusão comunicacional entre simbolizante e simbolizado, própria da
linguagem simbólica, manifesta-se, com maior ou menor intensidade, em toda a
escala evolutiva dos seres vivos, por conseguinte, pode também ser compreendida
e explicada, em termos das teorias do comportamento condicionado, ou seja,
trata-se de uma associação indiscriminada de estímulos, ou dificuldade na sua
discriminação, que tem a respectiva resposta comportamental condicionada.
A
paradigmática da comunicação, aplicada a semiologia psicopatológica, não se
limita aos exemplos supra citados, ela permite, sim, uma abordagem total, uma
explicação global, da mente doente, da psicopatologia geral. Ainda que a
realidade das ciências experimentais, da especulação filosófica, ou
simplesmente da actividade cognitiva racional, entrem em contradições, directa
ou provocada, com a matéria aqui enunciada, pois; mantém-se a paradigmática de
uma comunicação interna, uma comunicação interior: cognitiva, emocional e
motora, própria e presente em cada organismo vivo e, analogicamente, uma
comunicação externa entre esse organismo e os restantes seres vivos; é esta
paradigmática comunicacional que elucida a semiologia mas, também, toda a
psicopatologia geral da mente e do sofrimento mental.
Doutor Patrício Leite, 19 de Março de 2019