Guerra do Capital

A evolução gregária da humanidade proporcionou, em certa ocasião da história do pensamento económico, algum desenvolvimento sobre a teoria do valor; foi assim com vários pensadores, como Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx que encaravam o trabalho humano como determinante do valor económico de uma mercadoria; vivia-se numa época de escassez, era a economia da escassez; acreditava-se então que a oferta determinava a procura. John Stuart Mill propôs, divulgou e defendeu, ideias filosóficas de utilitarismo; em termos económicos, a doutrina do utilitarismo evoluiu para o designado valor utilidade, desenvolvido pela escola marginalista, segundo a qual a utilidade dos bens económicos está na sua capacidade de satisfazer necessidades. A procura dos bens económicos está relacionada com a sua utilidade, com a sua capacidade de satisfazer necessidades; a oferta está, segundo a escola marginalista, dependente da procura; assim, no âmbito das leis da oferta e da procura, a escola marginalista considera que a elasticidade da procura, isto é, a variação da procura de um bem em face da variação do respectivo preço está relacionada com o valor utilidade desse bem e, conforme varia a utilidade marginal assim varia a variação da procura, ou seja, assim varia a elasticidade da procura, por conseguinte, em termos de análise matemática, a elasticidade da procura surgiria como a primeira derivada á lei da procura e a utilidade marginal surgiria como a segunda derivada.
A escola marginalista do pensamento económico ao colocar o referencial absoluto e determinante de toda a actividade económica, de toda a economia, na lei da procura; ou seja, no valor utilidade e nas respectivas necessidades humanas, pois, direcciona-se para a pessoa humana, para o consumo do consumidor; por contraposição, as ideias de pensadores clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, estavam mais vocacionadas para a escassez, para a produção, para as empresas produtoras e, por conseguinte, para a lei da oferta como determinante de toda a actividade económica, como determinante de toda a economia. A estrutura do pensamento marginalista, tradicionalmente aplicada ao valor da utilidade marginal, também pode ser totalmente decalcada e, por analogia simétrica comparativa, absolutamente transposta, com igual eficácia, para o valor da escassez marginal.
Numa economia do bem-estar, numa economia da abundância, numa economia com excesso de produção e de stocks em armazenamento, pois, impera a lei da procura e o estado, quando interveniente nessa economia, deve estimular o consumo; foi com estas ideias que culminou toda a teoria marginalista, na pessoa de John Mainard Keynes e sua macroeconomia, em íntima relação com a economia política. O pensamento marginalista assente na necessidade, e na procura, ainda impera em certos economistas, normalmente conotados com políticas mais socialistas; por contraposição o pensamento clássico de Adam Smith, assente na escassez, e na oferta, ainda impera em economistas, normalmente conotados com políticas que favorecem o patronato e as empresas. É muito importante salientar que qualquer bem económico, por definição, sempre escasso e necessário, tem indissociavelmente o dualismo das duas componentes, por conseguinte, a produção e o consumo, a oferta e a procura. Nas situações de crise com estagnação, recessão e regressão da actividade económica, a intervenção do estado, quando necessária, deve estar isenta de quaisquer ideologias; a adopção de uma política intervencionista do estado deve sempre considerar se a crise ocorre do lado da oferta com excesso de produção estimulando a procura ou, por outro lado, com excesso de escassez estimulando a oferta; o estado e os estadistas, no exercício responsável da acção política devem-se libertar das ideologias para concretizar as políticas económicas mais adequadas à situação concreta: seja do lado da oferta, seja do lado da procura; o motor da economia é sempre dualista, está simultaneamente na escassez e na necessidade.
No âmbito da geoeconomia, tem-se verificado que nas grandes zonas ou regiões económicas mundiais, consideradas economicamente mais pujantes e desenvolvidas, como na américa do norte, sobretudo os EUA, mas também em vários países da comunidade europeia; a balança comercial tem sido sucessivamente deficitária, com as importações a exceder as exportações; algumas destas economias conseguem equilibrar a balança de pagamentos com malabarismos nas balanças de capitais e financeiras, transacções correntes, assim como ajustes nas taxas de câmbio entre tantas outras manipulações financeiras, de natureza meramente especulativa porém, a economia real, a economia fundamental, centraliza-se na produção, distribuição e consumo de bens e serviços, não no sector financeiro; qualquer economia com uma balança comercial cronicamente deficitária, é uma economia doente que, a longo prazo, acabará por desaparecer ou ser tomada e dominada pelo exterior. Qualquer estado intervencionista que promova o crescimento económico pelo lado da procura, ou seja, estimulando o consumo, numa economia com défice crónico na produção de bens e serviços e, por conseguinte, na balança comercial, está a promover a perda da própria soberania nacional; numa economia com défice da balança comercial deve ser estimulada e promovia a produção e não o consumo, deve ser estimulada e promovida a oferta e não a procura; por outro lado, quando há excesso de stocks em armazém pois então sim, deve ser estimulada a procura e o consumo.
Em qualquer economia de mercado, o aumento do número de consumidores reflecte-se directamente no aumento da procura e do consumo, assim, economias comercialmente deficitárias, como os EUA e vários países europeus, deveriam restringir os fluxos migratórios diminuindo a entrada de consumidores estrangeiros; se a balança comercial é deficitária, pois, deveriam também ser colocadas barreiras alfandegárias com taxas e impostos aduaneiros de modo a restringir as importações, aumentando a produção com as respectivas exportações e consumo interno; as políticas monetárias devem ser cuidadosamente ajustadas favorecendo o acesso ao crédito apenas para a actividade produtiva, inibindo o consumismo desenfreado; estas e outras políticas proteccionistas têm, ultimamente, estado a ser implementadas pelos EUA, deveriam também ser seguidas pela Europa porém, na comunidade europeia, há países cuja produção excedentária pretendem exportar, por isso, desenvolvem para os restantes países da Europa, ideologias de crescimento económico com estímulo ao consumo externo excessivo e respectiva dependência política, entregando os países deficitários, do sul da Europa, aos mercados asiáticos, mais especificamente à China, a mero troco do escoamento de algum do seu superávite produtivo. Este tipo de união europeia não é igualitariamente justa para todos os países membros, deve pois, ser modificada.
No âmbito da geopolítica geoestratégica tem-se verificado que enquanto as economias ocidentais desenvolvidas estão sucessivamente a diminuir as suas despesas militares, pois, as economias asiáticas em ascensão, como a China e a Índia, estão paulatinamente a aumentar as respectivas despesas com armamento militar; assim, no planeamento estratégico mundial a ascensão asiática, em geral, e a China, em particular, primeiro conquista o mercado para depois conquistar o poder do mundo. Esta, é a guerra capital; esta, é a capital da guerra.
Doutor Patrício Leite, 10 de Janeiro de 2019