Ébola - pandemia final ?

Irá o actual surto de Ébola progredir para a pandemia final? Não. Contudo ainda não estamos livres do perigo. Vejamos:
O desenvolvimento e evolução do actual surto faz, claramente, lembrar uma titulação ácido-base em que ao ácido se vai juntando base sem grande mudança de PH e, de repente, mais uma simples gota de base e o PH salta para a zona alcalina mostrando uma variação de crescimento exponencial para depois, na zona alcalina, voltar a crescer devagar até quase estagnar. Em modelagem matemática computacional dos surtos epidemiológicos, tanto os padrões estocásticos como os determinísticos, assumem diferentes curvas de crescimento e desenvolvimento. O actual surto de Ébola, com início há cerca de 6 meses, teve um crescimento lento para, de repente, num curto intervalo de tempo, aumentar exponencialmente o número de pessoas infectadas; isto faz pensar num modelo de surto epidemiológico assente numa curva sigmóide cuja função está a começar a deslocar-se para atingir o ponto de inflexão, pelo que, após este ponto o número de pessoas infectadas continuará a crescer mas o seu crescimento não será tão rápido. Se a curva sigmóide for simétrica a estabilidade do crescimento em número de infectados, será atingida dentro de 6 meses, no entanto as autoridades mundiais de saúde irão proclamar vitória muito antes, já que o controlo poderá ser assumido sensivelmente a meio da convexidade da curva.
De notar que o interessante não é o crescimento do número de infectados mas sim o modo como esse crescimento ocorre; isto é, de um modo mais ou menos rápido. Esta será previsivelmente a evolução deste surto, no entanto o perigo espreita; para já conhecem-se 5 genomas diferentes de vírus Ébola e o surto, que na África Ocidental está a matar 100% dos casos duvidosos, continua a avançar para outros territórios. Também na África tropical há Gripe todo o ano com vários picos durante a época das chuvas. Existe pois a possibilidade de, no mesmo território, as mesmas pessoas, terem simultaneamente infecção com o vírus Ébola e o da Gripe. Acontece que estes dois vírus são muito semelhantes: Taxonomicamente pertencem ambos à ordem dos Mononegavírus, ambos existem em vários animais e eventualmente o Ébola até em frutos. No fundo, o mais importante é que são ambos RNA de cadeia negativa pelo que precisam de codificar uma RNA-polimerase para formar o RNAm complementar de sentido positivo que vai posteriormente ser traduzido nas cadeias polipeptídicas; ambos são envelopados tendo o mixovírus na sua superfície uma glicoproteína designada hemaglutinina, cuja função consiste em ligar o vírus ao ácido siálico do monossacárido presente na superfície das células do epitélio respiratório, conseguindo assim invadir o organismo; já o vírus Ébola tem também na sua superfície uma glicoproteína que em conjunto com uma mucina se vai ligar a receptores específicos das células do hospedeiro. Se pensarmos que há já várias experiências de laboratório em que se causa doença Ébola em animais por via inalatória, facilmente se compreende que se uma ou várias mutações genéticas alterassem o genoma do vírus Ébola para codificar uma glicoproteína de superfície semelhante à hemaglutinina do mixovírus, pois teríamos a letalidade do Ébola conjugada com a contagiosidade da Gripe. É isto que amedronta o mundo, é isto que os militares e terroristas procuram. Esta seria a última pandemia da nossa civilização.
          Doutor Patrício Leite, 17 de Setembro de 2014