A
individualização da vontade humana, enquanto objecto de atenção tem, ao longo
dos tempos, conduzido às mais diversas conclusões próprias de cada época
histórica e cultural. Primeiro foi necessário o seu reconhecimento como uma
propriedade mental isolada, única e inerente aos seres humanos, depois surgiram
várias teorias e pensamentos filosóficos que a relacionaram com a liberdade,
designadamente, e para começar, com a teoria do livre arbítrio. É conhecido que
a teoria do livre arbítrio, da autonomia da vontade e da liberdade, transporta
imediatamente o pensamento para algo mais profundo; é a noção do determinismo
versus indeterminismo humano como dialéctica irreconciliável do antagonismo
cognitivo em noções filosóficas fundamentais; é também, numa analogia
indissociável, a antítese dialéctica entre o finito determinado e o infinito
indeterminado numa abrangência total com um destino predefinido, finito e
predeterminado versus um construtivismo humano infinito, positivo e
indeterminado que conduz ao conflito mental numa interrogação sobre o
comportamento, questionando se o homem age ou é agido.
Por
definição, a vontade implica sempre num certo antagonismo, há como que uma
força, uma resistência a vencer; quando as acções voluntárias incidem sobre um
ambiente externo natural, a resistência diz apenas respeito ao atrito como
força passiva que se opõe a qualquer acção, por outro lado, se o exercício da
vontade e da acção voluntária se faz sobre um ambiente humano, então a
resistência resulta de uma vontade oposta que se contrapõe numa confrontação de
vontades.
Considerar
o ser humano capaz de tomar decisões autónomas é também considerá-lo como livre
e voluntário; livre porque tem poder de decisão e voluntário porque exerce esse
poder. A vontade surge como um poder, uma capacidade de decidir, de tomar
decisões; por outro lado a decisão é entendida como uma conversão de recursos
com a finalidade de atingir objectivos próprios ou pessoais. Portanto, no
momento da tomada de decisão, do exercício da vontade, os objectivos ainda não
foram atingidos assim, há uma diferença temporal entre o momento presente, o
momento em que a decisão é tomada, e o momento futuro, o momento em que os
objectivos são alcançados; essa diferença, esse caminho a percorrer, consiste
na resistência que se opõe ao exercício da vontade. É pela acção, pelo
comportamento, que a vontade se realiza, que atinge a sua plenitude, que
abandona o mero desejo, a mera manifestação de intenções, para se concretizar.
A vontade implica sempre um comportamento consciente com várias componentes
mentais; há um propósito da consciência em alcançar determinados fins,
determinados objectivos conhecidos, mas há também uma intenção em usar os
recursos adequados à consecução desses objectivos; os recursos são necessários
porque surge sempre uma resistência mas a força conativa da vontade, a volição
consciente, apoiada nas memórias do passado, das vitórias e dos fracassos, mas
também dos afectos, sentimentos e emoções, permite a constância do esforço em
direcção aos objectivos previamente determinados. As carências e necessidades
causam desejos que, para sua satisfação, dirigem energicamente a atenção
concentrada para determinadas finalidades, porém se, neste sentido o
comportamento não pode ser evitado, também é certo que os hábitos e costumes
pessoais condicionam inconscientemente o desenrolar da acção humana, por isso é
importante conhecer a história e antecedentes da pessoa.
As
tendências gregárias do ser humano conduziram à família como grupo primário;
desde o nascimento que a criança é educada num certo ambiente cultural, próprio
de todos e cada pessoa, mas também num nível de educação que lhe condiciona o
trabalho e profissão, os lazeres, o tipo de amigos e a estruturação do tempo;
também a economia pessoal, os hábitos de consumo e muitos outros factores de
ordem social condicionam o comportamento geral da pessoa numa relação estreita
com a tomada de decisões, é pois necessário compreender o ambiente geral em que
a pessoa concreta se insere, para assim melhor lhe conhecer a vontade.
Qualquer
decisão voluntária, autónoma e independente, é um produto da consciência, há no
entanto comportamentos cujas origens motivacionais radicam num inconsciente
tradicionalmente abordado pelos métodos psicanalíticos. Nem sempre é fácil
alcançar o subconsciente; desde há vários séculos que o uso do hipnotismo tem
sido utilizado para implantar ideias e atitudes no íntimo das pessoas. Ainda
antes das descobertas psicanalíticas, já os utilizadores de técnicas hipnóticas
sabiam que a sugestão constituía, e constitui, um poderoso método de entrar no
subconsciente da pessoa; sabiam também que o consciente se defende dessas
sugestões, por isso aconselhavam a repetição, da sugestão, em variadas e
diferentes oportunidades a fim de que num momento de maior fraqueza do
consciente, essa sugestão pudesse entrar no inconsciente; sabiam que uma vez
implantada a sugestão, a pessoa, mais tarde ou mais cedo, iria ter a sua actividade
autónoma da vontade diminuída, agindo e tomando decisões em conformidade com a
respectiva sugestão.
Foi
na sequência da abordagem hipnótica, como modo de alcançar o inconsciente, que
surgiu outro método com o mesmo propósito, aliás; a palavra hipnotismo tem a
sua origem etimológica associada ao sono e o estado hipnótico sempre foi
pensado como uma espécie de sono semi-acordado assim, quando se estudaram os
sonhos como actividade mental realizada durante o sono, imediatamente se
verificou que interpretar o produto, ou as imagens oníricas dessa actividade,
em termos simbólicos, conduzia imediatamente ao inconsciente; por outro lado, a
associação livre surgiu como uma tentativa de abordagem ao subconsciente capaz
de revelar conflitos intrapsíquicos causadores de sofrimento; na realidade,
enquanto uma pessoa tenta livremente relatar todas as ideias que lhe vão
fluindo pela consciência, essa pessoa encontra emoções e afectos causadores de
constrangimentos que a levam a defender-se mudando de assunto, fazendo pausas
na fluidez do discurso ou outros mecanismos de defesa, surge então outra
abordagem do inconsciente que consiste em analisar e dar consciência à pessoa
dos seus mecanismos de defesa, isto é, daquilo que se defende, do modo como se
defende e quando começou a usar esse modo de se defender; mas a pessoa também
pode realizar desvios do discurso por ficar embaraçada com aquilo que julga o
interlocutor poder pensar ou sentir acerca dela, portanto objectivando a sua
relação interpessoal com o interlocutor, nestas situações pensa-se numa relação
de transferência em que a pessoa revive e coloca no seu interlocutor as emoções
e sentimentos que antes, no passado, teve para com figuras significativas como
os seu pais ou outros. As situações que não se encaixam coerentemente no
contexto de uma relação comunicacional designam-se actos falhados; estes actos
involuntários podem ir de aspectos muito simples como lapsos de memória ou
esquecimentos até comportamentos mais elaborados e complexos mas envolvem
sempre situações de tendências intrapsíquicas conflituais, expressas à
consciência de modo simbólico; o subconsciente ou inconsciente manifesta-se
sempre de modo simbólico e a analogia é o modo privilegiado de o compreender;
as necessidades inconscientes, revestem frequentemente natureza sexual e
conduzem o comportamento humano na tomada de decisões cujo simbolismo sexual é
compreendido através da abordagem analógica pelo que conhecer esse simbolismo
causal é também ser capaz de conseguir influenciar as respectivas decisões e
assim determinar a vontade.
Sempre
que duas pessoas se encontram, a comunicação torna-se inevitável; a par de uma
linguagem verbal capaz de exprimir ideias, conceitos e raciocínios abstractos,
existe uma linguagem corporal que informa sobre as atitudes e tendências
desenvolvidas na respectiva interacção e relação interpessoal. Nos
comportamentos de enamoramento e paixão, cuja sexualidade latente, cheia de
tabus, está sempre presente, a compreensão da relação com base na linguagem
corporal torna-se fundamental, já que os sentimentos e desejos não podem ser
expressos abertamente; também nas relações de poder e estatuto social, com um
culto do carisma e da personalidade mais ou menos desenvolvido e manifesto, se
torna importante o uso sugestivo da linguagem não verbal e estruturação do
espaço físico como modo de acentuar, ou diminuir, as características que se
deseja dar relevo e importância; há quem afirme ser capaz de descobrir,
meramente pela observação da linguagem corporal, o conteúdo e a falsidade de
mensagens, no entanto, esta modalidade de comunicação permite apenas grande
certeza na descoberta e conhecimento de atitudes como a sinceridade ou a
mentira, o conhecimento do conteúdo comunicacional tem de ser descoberto
através da conjugação com outros métodos de abordagem porém, o uso dos gestos e
posturas corporais como modo de influenciar pessoas tem grande importância nas
designadas posturas em espelho; segundo a metodologia própria do espelhamento,
uma pessoa que disfarçadamente copia as posturas e gestos de outra, o seu
interlocutor, tem maior probabilidade de gerar apreciação, simpatia e amizade,
conseguindo determinar a vontade alheia através da influência facilitada pela
confiança que sempre se desenvolve nas relações de amizade; entretanto, de um
modo geral, pode-se afirmar que compreender a pessoa nas suas atitudes e desejos
mais recônditos permite sempre definir melhores estratégias de influência e
controlo da vontade.
Determinar
o comportamento alheio é, fundamentalmente, impor-lhe um conjunto de condições;
a teoria e métodos comportamentais, para dirigir e condicionar a vontade,
procuram sempre colocar condições; restringem a satisfação de necessidades à
obediência comportamental; compreender o comportamento condicionado é muito
simples mas a sua execução muito variada; desde o uso dos elogios como
recompensa ou reforço positivo até atingir a crítica social como punição ou
reforço negativo, tudo é valido; para necessidades sociais como a amizade e o
prestígio são utilizados aspectos sociais ou interpessoais como o elogio a
servir de recompensa ou a crítica que pune. Outros métodos de condicionamento
não se baseiam na visão teleológica do comportamento cujas consequências podem
reforçar positiva ou negativamente essa conduta mas, tão-somente, numa
associação simples e repetida de estímulos. Sabe-se que os adjectivos qualificativos
exprimem sentimentos, emoções e afectos; sabe-se que associando repetidamente
um conceito ou ideia com um adjectivo qualificativo, positivo ou negativo, a
pessoa exposta a essa associação vai, ao longo do tempo, desenvolver uma
atitude positiva ou negativa em face da ideia primitiva de acordo com o
adjectivo que foi utilizado; o condicionamento de atitudes pelo método da
associação entre ideias e adjectivos é muito utilizado para determinar a
vontade e influenciar a tomada de decisões mas, são as necessidades que
constituem a maior força da energética motivacional. Compreender a teoria das
necessidades é entender que os estados de carência interior vão imperiosamente
procurar satisfação no meio externo, no entanto, a prioridade dessa satisfação
faz-se de acordo com uma hierarquia de necessidades mas também atendendo à
percepção e crenças enraizadas na memória pessoal; influenciar as crenças é,
portanto, influenciar a atitude volitiva na conduta a escolher para a
satisfação das necessidades, é também influenciar os comportamentos resultantes
da frustração, ou seja, da impossibilidade de satisfazer, total ou
parcialmente, certas carências.
A
vontade humana, enquanto culminar de todas as características e forças mentais,
ocupa o topo da pirâmide decisional, por conseguinte, a sua implementação
implica sempre num avanço vitorioso sobre uma resistência que se lhe opõe; o
enfraquecimento da vontade é um modo privilegiado de conseguir influencia e
controlo facilitados; a fadiga, o cansaço físico e mental, os métodos químicos
com drogas, incluindo o álcool, os fármacos e tantos outros, ajudam a debilitar
a vontade e facilitar o seu controlo por entidades alheias; as técnicas de
enfraquecimento da vontade são muitas e variadas e, cada vez mais, crescem em número
e variedade, apenas dependendo da criatividade de quem as utiliza; são
conhecidas técnicas clássicas desde a diversão, entretenimento e brincadeira,
até ao uso lúdico da actividade sexual como modo de debilitar a vontade e
diminuir o antagonismo, entretanto, grande parte da investigação em manipulação
humana faz-se no sentido de descobrir novos modos de controlar a vontade e a
autonomia decisional.
A
história do condicionamento manipulatório da vontade, começou a desenvolver-se
com o avanço civilizacional; cedo o homem notou que com certas técnicas,
sobretudo de oratória, conseguia mais facilmente conduzir os seus semelhantes
para o ajudar a concretizar os seus propósitos pessoais. A retórica chegou a
ser uma das três artes fundamentais ensinada nas universidades da idade média;
o seu ensino universitário continuou, não tão intenso, pela época moderna,
actualmente ainda faz parte dos programas do ensino curricular oficial
pré-universitário mas também se ministra integrada em várias disciplinas
universitárias de carácter humanista.
Desenvolver
um discurso retórico convincente e capaz de influenciar o auditório e os
ouvintes implica numa preparação pela qual o orador tem de, primeiro, ganhar a
confiança das pessoas demonstrando que sabe daquilo que fala, que é um
especialista, culto e sabedor, do assunto; o papel social e o estatuto do
orador, manipulador da vontade, assim como as crenças e respectivas atitudes
dos ouvintes são muito importantes na fase inicial, de facto, são as pessoas
que têm uma atitude prévia de acreditar, ou não, nas palavras do orador; a
adequação das ideias e raciocínios ao auditório permite a sua compreensão
facilitada, na realidade, para convencer o auditório, é fundamentalmente
necessário debitar palavras, conceitos e raciocínios inteligíveis e possíveis
de ser facilmente entendidos pelos ouvintes, de outro modo toda a tentativa de
manipulação da vontade alheia pode ser frustrada por se tornar impossível de
concretizar; há em todo o discurso persuasivo e com intuito de convencer, ou determinar,
o curso decisional da autonomia volitiva, uma etapa que faz apelo directo e
incondicional às emoções, afectos e sentimentos; as designadas figuras de
estilo linguístico desempenham a função de apelar às emoções permitindo a
ligação, ainda que meramente aparente, entre o raciocínio e os sentimentos; as
figuras de estilo são muitas e variadas, para as categorizar podem ser
adoptadas diferentes classificações mas, sobretudo no domínio político, figuras
como a hipérbole, metáfora, ironia e pleonasmo são muito utilizadas porém, a
variação e utilização diversificada de várias figuras torna o discurso mais
credível e, por isso, facilita a adesão das pessoas com o respectivo
condicionamento da vontade.
Sendo
a vontade o topo, o culminar da hierarquia das propriedades mentais, também são
muitos e variados os factores interligados capazes de a influenciar assim, é a
conjugação simultânea ou sequenciada desses factores, que aumenta sua
susceptibilidade, que mais facilmente determina e condiciona a vontade na sua
autonomia decisional.
Doutor Patrício Leite, 29 de Janeiro de 2018