A
sobrevivência do ser humano, desde muito cedo, na evolução filogenética, tem
ocorrido associada a um instinto gregário que o condiciona a viver em grupo. As
relações humanas são imprescindíveis para a sobrevivência da pessoa e da
espécie. Relação é o estabelecimento de, pelo menos, um laço ou ligação dinâmica
entre duas, ou mais, pessoas.
São
muitas as classificações das relações entre seres vivos. Em ecologia
classificam-se relações de competição, parasitismo, simbiose, mutualismo,
cooperação, comensalismo, predação, canibalismo, etc. estas relações podem ser
adaptadas e transpostas, por analogia, para o ser humano na sua convivência
intra específica.
Numa
comunidade politicamente organizada pensa-se em relações de poder,
estabilizadas pela ordem jurídica e presentes nas várias interacções sociais,
desde as relações laborais até aos aspectos comerciais e familiares. As
relações dizem-se de poder quando pelo menos um dos seus elementos sofre uma
subordinação ou subordina alguém. As relações de poder são, na sua essência,
relações de subordinação. Quando os políticos pedem votos, estão a propor às
pessoas que se lhes subordinem; que aceitem obedecer-lhes numa ordem jurídica
estabelecida e assente na subordinação das pessoas votantes aos políticos dirigentes.
A
comunicação entre seres humanos permite tornar comuns aspectos da vida
individual. Dos elementos da comunicação, aceita-se que a linguagem verbal é
importante para a transmissão de conhecimentos, ideias, conceitos e pensamentos
entre o emissor e o receptor; por outro lado a linguagem não verbal, ou
corporal, é usada como método de centralização na relação entre o emissor e o
receptor. Assim, a linguagem verbal centraliza-se na mensagem e a linguagem não
verbal focaliza-se na relação. Na abordagem da relação, através da linguagem
não verbal, o método analógico assume importância primordial. A analogia
resulta de uma comparação simbólica impregnada de emoções que se associam aos
objectos do comportamento; há pois, como resultado, uma continuidade da vida
mental. Na realidade o ser humano, a pessoa consciente, assume a permanência da
sua identidade pessoal. Durante o sono a consciência é interrompida mas,
imediatamente após acordar, a pessoa retoma a sua identidade pessoal, assume a
sua unidade, a unidade do sujeito. O elemento fundamental das relações
intrapsíquicas que permite a unidade do sujeito, a constância da identidade
unitária pessoal, é a emoção.
Sabe-se
que as emoções estão bem presentes quando a pessoa está a dormir, durante o
sonho; mas também as imagens e ideias simbólicas fundamentadas numa analogia de
estímulos e respostas independentes da consciência, que decorrem durante o
sonho, se associam com emoções constituídas em afectos que permitem a
manutenção da constância mental, a manutenção da identidade pessoal, a
manutenção da unidade do sujeito. Não se sabe bem como as emoções funcionam
para o organismo nos períodos de sono com ausência de sonho mas acredita-se que
a emoção não é interrompida pelo sono, a emoção permanece fundamentalmente numa
constância que mantém a unidade do sujeito; uma constância que permite manter a
unidade identitária da pessoa imediatamente após acordar, imediatamente após
recuperar a consciência.
Categorizar
as relações em termos de interacção com o exterior, ou com o interior, é muito
importante mas a análise da relação com base na sua focalização temporal, na
sua localização num determinado tempo de vida do sujeito dessa relação, também
é fundamental.
As
relações podem ser abordadas pela sua focalização no passado, presente ou futuro
da pessoa.
Qualquer
relação, entre pessoas, que aborde o passado é uma relação que convida à
transferência, é uma relação que facilita a revivescência de situações de vida
passada, que não ficaram bem resolvidas e por isso geram tensões e conflitos intrapsíquicos
sempre prontos a tentar a sua resolução na relação presencial do presente. As
relações centralizadas no passado relacionam-se com o superego, relacionam-se
com a aprendizagem e internalização de normas de conduta de pendor moral; o
passado de uma pessoa representa o seu superego e a presentificação desse
passado é a revivescência simbólica dos conflitos ocorridos com as figuras que
frustraram os seus instintos, frequentemente de carácter sexual ou libidinoso,
que obrigaram os instintos a conter a sua necessidade de satisfação.
As
relações pessoais centralizadas no presente são entendidas como decorrentes de
uma fase exploratória, uma fase de conhecimento actual desenvolvido a partir de
uma mente racional, uma mente calculista capaz de processar dados e gerar
informação com um mínimo, ou nenhumas, emoções e afectos. O presente de uma
pessoa representa o seu ego, representa a sua racionalidade e intelectualidade;
uma relação centralizada no presente é uma relação actual de um ego que usa
mecanismos defensivos, predominantemente cognitivos, para atingir objectivos
previamente calculados de modo racional.
Relações
pessoais centralizadas no futuro representam o id, representam a força sexual
inata de uma libido capaz de gerar comportamentos tendentes à reprodução,
tendentes à manutenção da espécie. As relações focalizadas no futuro são
relações de acasalamento e, quando frustradas, resultam defesas do ego que se
associam com mecanismos de interiorização como a identificação ou introjecção.
Na
sua essência fenomenológica e por redução eidética, a trilogia dialética
permite, por simbolismo analógico, estabelecer paralelismos relacionais:
- é o caso do ego que se associa com o tempo
presente, o pensamento e respectiva intelectualidade assim como todas as defesas
de carácter cognitivo;
- é o caso do superego que se associa com o
tempo passado, os afectos e sentimentos assim como as defesas relacionadas com
a colocação no exterior de vivências pessoais do passado tipificadas em
fenómenos de projecção ou transferência, com a respectiva resistência de
transferência;
- é o caso do id que se associa com o tempo
futuro, os comportamentos e acções assim como as defesas relacionadas com a
colocação no interior de aspectos próprios das pessoas frustrantes, com as
quais o sujeito se relaciona, resultando mecanismos defensivos tipificados na
identificação e introjecção;
A
análise da relação é, agora, a análise dos laços ou ligações que se estabelecem
entre, pelo menos, duas partes assumidas como autónomas e independentes.
Relação é um dos conceitos fundamentais para a compreensão do universo em que
nos movemos; desde ciências como a física e a química até aos aspectos
bio-psico-sociais e culturais, das ciências humanas, o dinamismo da relação
está sempre patente. No plano da conflitualidade relacional intra e interpsíquica,
geradora de sofrimento, a abordagem da relação centrada na trilogia temporal do
passado, presente e futuro, conduz a uma nova psicoterapia capaz de mudar ou
erradicar comportamentos patológicos e, por isso, gerar mais saúde e felicidade
humana.
Doutor Patrício Leite, 20 de Novembro de 2017