Democracia económica

O auge do poder absoluto monárquico foi também a queda do feudalismo: o colbertismo e o seu mercantilismo comercial iniciaram o pensamento e actividade económica de transição para o capitalismo industrial. É inequívoco que exportar mais do que importar; ou seja produzir e vender mais do que comprar, se torna fundamental para a expansão dos negócios; mas a doutrina colbertista faliu quando, por desconhecimento, desconsiderou a relação agregada entre os produtos comercializados, a concorrência e a teoria das necessidades pessoais e humanas. No decurso do século, o feudalismo sofreu a decadência terminal e, com a ascensão revolucionária da burguesia ao poder, surgiu a lei da oferta e da procura como teoria, única e viável, capaz de explicar o pensamento económico e a riqueza das nações. O triunfo da burguesia precisava de uma ideologia compatível; surgiu assim o liberalismo de mercado apoiado nas leis da oferta e da procura e da concorrência perfeita. É evidente que o excesso de produção, proveniente da revolução industrial, permitiu a eclosão de livres-pensadores. Se nas fases iniciais da história do pensamento económico se dedicavam a uma teoria do valor, a procurar o modo exacto de estabelecer o valor dos bens; rapidamente concluíram que a força do trabalho humano é também um bem económico, como tal está sujeito a essas mesmas leis da oferta e da procura. Qualquer bem económico é, por definição, necessário e escasso; o ar que respiramos é necessário mas por enquanto não é escasso, chega para todos, e por isso não é um bem económico porém a força de trabalho humano é necessária e escassa, portanto sujeita às leis da oferta e da procura. Surgiram então correntes do pensamento que atribuíam maior ou menor valor ao trabalho humano, por oposição ao valor dos restantes meios de produção. A evolução histórica e a organização do factor trabalho como uma força social em confronto com os proprietários dos factores de produção, transformou a ordem jurídica e organização do poder político, assumindo a representatividade uma solução de compromisso entre as forças sociais em confrontação. A representatividade e o utilitarismo caminharam fundamentalmente juntos como determinantes da teoria do valor económico. Foi com base na observação histórica das alterações decrescentes do valor utilidade, ao longo da procura, que surgiram as designadas escolas marginalistas do pensamento económico. Com a evolução, no modelo liberal do pensamento e teoria económica, as leis da oferta e da procura passaram a ser encaradas como funções matemáticas; a primeira derivada destas funções, oferta ou procura, dá a respectiva elasticidade; por exemplo quanto mais se vai oferecendo um produto ao mercado mais a sua utilidade marginal vai diminuindo e, por conseguinte, mais vai diminuindo o seu valor de mercado; é esta variação do valor de mercado com a variação da oferta, que é dada pela primeira derivada da respectiva função matemática; já a segunda derivada ao estabelecer o ponto de inflexão fornece também, por inerência, o valor de mercado do último produto a ser comercializado, exactamente antes de mudar o modo como a elasticidade se comporta. O modelo do liberalismo de mercado, apesar da sua coerência interna, apesar de prever os seus limites que lhe são impostos pelos monopólios, monopsónios, oligopólios e oligopsónios, cartéis e outros como os tectos salariais impostos por políticas de estado detentoras monopolisticamente da violência do estado, continua apenas a ser um modelo ideológico de explicação da actividade económica. Este modelo teve utilidade máxima na revolução burguesa apoiada na revolução industrial, actualmente está no ponto de viragem para a queda; com a revolução digital torna-se necessário um novo modelo de explicação da actividade e pensamento económicos. A propriedade privada do capital, como meio de produção produzido, resultou da vitória da burguesia contra o feudalismo, neste contexto, os donos dos meios de produção, em conjunto com os sindicatos, donos do trabalho, gerem representativamente a economia. Com a revolução digital e o desenvolvimento de aspectos como a cibernética e a robótica, entre outros, assim como o aumento do conhecimento e a facilidade de acesso à informação, gera-se uma crise revolucionária da representatividade que começa agora a mudar as estruturas decisórias. Por um lado, a burguesia capitalista, num último grito de vitória, procura enfraquecer o estado nação, abolir as fronteiras e alargar o comércio internacional com gigantescas empresas multinacionais capazes de destruir nações inteiras e conduzir a um neo-feudalismo que já não assentará em critérios geográficos mas sim em funções comerciais mundialmente implantadas; chamam a isto a nova ordem mundial. Por outro lado a democracia directa nos seus aspectos político, económico, social e dos meios de comunicação ou de manipulação de massas, será o concluir da revolução tecnológica digital. No plano do direito, desde os romanos que se distingue a noção de propriedade e de posse. Os actuais códigos civis, de origem napoleónica, apenas traduzem juridicamente os vários conflitos sociais e interesses desenvolvidos ao longo das revoluções liberais com o triunfo da burguesia; os direitos reais, previstos nesses códigos aceitam como coisa, tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas, mas não sujeito dessas relações; nesta cultura liberal de ascendência capitalista burguesa, quando surgem conflitos na interpretação das leis, os direitos reais e nestes, a propriedade, assumem primazia sobre os restantes; porém os códigos civis distinguem muito claramente a noção jurídica de propriedade e posse, proveniente do direito romano. A actual sociedade capitalista burguesa tem conjugado a propriedade e a posse na mesma pessoa jurídica; a evolução imediata para uma futura democracia directa tenderá a dissociar, cada vez mais, a propriedade da posse. A propriedade será colectiva e a posse será privada. Claro que esta dissociação já ocorre com as designadas parcerias público privadas mas é do conhecimento geral que um governo de representação é um governo de corrupção. As parcerias público privadas, em governos representativos, são necessariamente fontes de corrupção política envolvendo todos os partidos, mas numa democracia directa que controle a economia, os meios de manipulação de massas e a política, a corrupção desaparecerá, pois nada haverá para corromper. A queda da representatividade é uma realidade que se verifica com a abertura de novos mercados a empresas multinacionais conduzindo à nova ordem mundial de natureza neo-feudal mas também, são cada vez mais os plebiscitos e referendos como forma de legitimar decisões políticas que a democracia representativa não consegue legitimar, portanto tudo leva a acreditar que a democracia directa será uma realidade futura.
Doutor Patrício Leite, 28 de Julho de 2017