Procurar a unidade da existencialidade
conduz, necessariamente, a uma dualidade fundamental e irredutível: o
procurante e o procurado; sem dualidade não haveria funcionalidade dinâmica do
movimento de alteração do ser e do ente, tudo se tornaria num imenso absurdo.
Afirmar a totalidade unitária é um imenso absurdo sem sentido existencial,
porquanto, a nível mais sectário podem-se formalizar várias categorias, tantas
quantas se desejar. Algumas teorias clássicas têm estipulado três instâncias
com as quais conseguem explicar o funcionamento da mente. A psicanálise estabeleceu
o ego, superego e id; a análise transaccional optou por definir pai, adulto,
criança; outras teorias estabelecerão outras categorias; em termos da racionalidade
de uma abordagem formal são todas válidas.
A biologia dos seres evolutivamente mais
desenvolvidos revela a necessidade de dois gâmetas para a formação de um novo
ser vivo; também no ser humano, o filho compartilha informação genética
proveniente da mãe e do pai. Ao longo do desenvolvimento embrionário, a criança
começa muito cedo a percepcionar estímulos maternos mas, quando pai e mãe vivem
conjuntamente, também paternos. A vinculação precoce associada ao
desenvolvimento acelerado do sistema nervoso assim como a super aprendizagem,
ou seja, a aprendizagem que nunca mais se esquece e por isso fica veiculada
para o resto da vida, obrigam no ser humano, o filho a transportar consigo
próprio, para toda a vida, uma conformação mental materna e outra paterna. Há
em cada ser humano, desde o seu nascimento, uma mente repartida por três
conformações mentais com autonomia e dinamismo próprios que são a conformação
do filho, da mãe e do pai. Como cada ser humano apresenta uma mente
aparentemente unitária, torna-se necessário compreender o modo como as três
conformações mentais, individuais e autónomas, da mãe, pai e filho, interagem e
se interinfluenciam para formar a unidade mental e funcional da pessoa humana.
O estudo de grupos humanos tem
demonstrado que são três os números mínimos de pessoas necessários para que
ocorram todos os fenómenos próprios da dinâmica de grupos; são também três as
conformações mentais aqui descritas que, com dinamismo autónomo, constituem a
mente de uma pessoa. É pois lícito considerar a analogia funcional entre a
dinâmica de grupos e as três conformações mentais autónomas constituintes da
mente de cada ser humano com a eclosão de fenómenos de liderança, políticas de
aliança, constituição de subgrupos e respectivas rivalidades competitivas ou
cooperativas, formação de fronteiras, mais ou menos abertas, entre grupos e
subgrupos, etc. A partir das três conformações da mente humana: filho, mãe e
pai, torna-se também lícita e clara a analogia conceptual tipológica entre as
interacções que se podem realizar entre duas ou mais destas conformações
autónomas e as relações ecológicas que se estabelecem entre seres vivos como a
competição, comensalismo, mutualismo, parasitismo, cooperação, inquilinismo,
etc.
O dinamismo das conformações mentais autónomas:
filho, mãe, pai e o tipo de relação que se pode estabelecer entre elas vai
determinar todo o comportamento humano.
A concepção da mente humana em três
conformações autónomas: filho, mãe e pai; associada por analogia conceptual ao
dinamismo próprio da dinâmica de grupos e às relações ecológicas entre seres
vivos, permite quantificar um imenso número de combinações matemáticas capazes
de categorizar, no plano formal, vários modos de comportamento que uma pessoa
pode possuir no seu repertório comportamental; se for acrescentado o âmbito do
conteúdo comportamental então a variabilidade é ainda maior; a psicanalogia
conformacional mental aborda a pessoa tendo por base estas concepções.
Os papéis e estatutos sociais de mãe e
pai, assim como os agregados e estruturas familiares, são muito variados e
estão em permanente mudança pelo que compete a qualquer psicanalogista
compreender a família em que determinada pessoa se desenvolveu para assim
melhor entender a totalidade da sua respectiva vida mental.
A perspectiva etimológica das palavras
fornece a relativa evolução do seu conceito. É assim que, por exemplo, mãe e
matriz têm etimologia comum o que faz encarar a mãe como uma matriz ou rede de
comunicação; pai e padrão têm etimologia comum o que faz encarar o pai como
difusor de padrões, regras ou normas comportamentais; filho e filiação têm
etimologia comum o que faz encarar o filho como uma ligação vinculativa.
Se bem que a sexualidade carnal e libidinosa
sejam muito importantes para a continuidade da vida, e por isso constituam
necessidades, presentes em todas as pessoas, capazes de motivar comportamentos;
é também através da necessidade instintiva de filiação que a vida pode
continuar, já que qualquer criança nasce indefesa e incapaz de sobreviver
sozinha ou sem a ajuda dos progenitores. É por causa da continuidade da vida
que surge a necessidade de filiação; é da necessidade de filiação que surgem
todas as outras necessidades do ser humano, inclusivamente, é da necessidade de
filiação que, mais ou menos mitigadas ou disfarçadas, surgem as necessidades sexuais
mas também as de manutenção da própria vida individual, é pois com base nesta
necessidade fundamental de filiação que a psicanalogia conformacional mental se
desenvolve e explica todo o comportamento humano.
A analogia psicanalógica serve-se do
conhecimento: sobre as interacções próprias da dinâmica de grupos humanos,
sobre as relações ou ligações possíveis entre seres vivos numa comunidade
biótica, sobre as três conformações mentais (filho, mãe, pai) presentes em cada
pessoa individual; para compreender analogicamente a pessoa humana e delinear
estratégias de intervenção que permitam alterar comportamentos.
Durante a observação concreta de uma
pessoa pode-se, por exemplo, constatar que essa pessoa numa repartição pública
emite comportamentos típicos de uma criança, um filho, que se revolta contra o
cumprimento das normas e regras estabelecidas; numa primeira fase, tendo em
atenção os papéis e estatutos de mãe e pai, em acordo com a etimologia destas
palavras, conclui-se imediatamente que esse filho se revolta, ou está revoltado,
contra o pai que existe em si próprio; de seguida pensa-se no modo como a mãe,
que existe nessa pessoa, se liga ou relaciona com o filho e com o pai, tudo no
interior da própria pessoa em observação; aborda-se analogicamente a dinâmica
de grupos e as relações ecológicas entre seres vivos procurando vários tipos de
ligações, mas também alianças e fenómenos de liderança, sabendo se essa decisão
de revolta do filho contra o cumprimento das normas tem, ou não, a liderança
desse filho numa relação cooperativa com a mãe e competitiva com o pai, ambos envolvidos
numa luta intrínseca que conduza a uma inversão de papéis sociais; mais uma vez
se salienta que todo este dinamismo entre filho, mãe e pai, ocorre no interior
da própria pessoa que emite os comportamentos de revolta, típicos do filho, mas
nada têm a ver com a repartição pública onde os comportamentos são emitidos.
Exemplos simples, como este, são muitos e variados, são também muitas as
situações e ocasiões que permitem observar o comportamento de pessoas
utilizando a psicanalogia conformacional como método para compreender a mente e
alterar a conduta humana.
Doutor Patrício Leite, 24 de Março de 2018